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Uma visão sob a crise climática como geradora de crises migratórias

Henrique de Jesus dos Santos[1]


A crise climática configura-se como um dos desafios mais ameaçadores do século XXI, e suas consequências ultrapassam as catástrofes ambientais, impactando diretamente as relações sociais e econômicas globais. Entre os diversos efeitos da instabilidade ambiental, encontra-se a intensificação dos fluxos migratórios forçados, um fenômeno que se insere em um contexto de governança global insuficiente para mitigar seus impactos no meio ambiente.


O fim da estabilidade ambiental significa que conceitos de ameaça e segurança precisam ser atualizados. A maior ameaça à segurança sistêmica tende a ser, cada vez mais, a ultrapassagem dos limites planetários, não as guerras no centro do sistema como foi até o século XX (Viola & Basso, 2016, p. 3).


Dentro dessa lógica, a relação entre mudança climática e migração está cada vez mais evidente, uma vez que eventos climáticos extremos, como secas prolongadas, desertificação e elevação do nível do mar, têm levado milhões de pessoas a abandonarem suas regiões de origem em busca de condições mais favoráveis de sobrevivência (Bauman, 2016). Devido a intensificação de tais desastres ambientais, o sistema político global é diretamente afetado, sendo necessário abrir os olhos para novas maneiras de análise e gestão da movimentação de pessoas que tem se tornado cada vez mais constante.


A discussão sobre o Antropoceno e seus impactos na dinâmica das relações internacionais evidencia a necessidade de redefinir conceitos tradicionais de segurança, ao centralizar e reconhecer dentro do debate que as mudanças climáticas são uma ameaça à segurança e ao bem-estar tanto do corpo social de uma nação quanto de outras em situação de alto risco. Viola e Basso (2016) argumentam que a ultrapassagem dos limites planetários representa uma ameaça sistêmica tão significativa quanto os conflitos armados do século XX. Nesse sentido, a governança climática global vigente é insuficiente para lidar com os desafios que emergem da degradação ambiental e por consequência a migração forçada. Pequenos Estados insulares, como Kiribati e Tuvalu, já enfrentam uma realidade de deslocamento forçado devido ao aumento do nível do mar, o que coloca em xeque a capacidade das estruturas institucionais internacionais de prover soluções eficazes para esses deslocamentos (Schimitt & Gonçalves, 2019).


O discurso político e midiático frequentemente enquadra a migração climática como um problema de segurança, reforçando a noção de "pânico moral", que distorce a compreensão das causas estruturais desse fenômeno, “ao ser um sentimento de medo compartilhado por grande número de pessoas de que algum mal está ameaçando o bem-estar da sociedade” (Bauman, 2016, p.7). Em vez de promover soluções baseadas na cooperação internacional e na mitigação dos impactos ambientais, governos de diversas nações optam por endurecer suas políticas migratórias e securitizar as fronteiras, agravando a situação dos refugiados climáticos. Tendo como consequência, um tratamento desumano e indiferente com pessoas que necessitam de auxílio.


Crianças afogadas, muros apressadamente erguidos, cercas de arame farpado, campos de concentração superlotados e competindo entre si para acrescentar o insulto de tratarem os migrantes como batatas quentes às injúrias do exílio, de escapar por pouco dos perigos enervantes da viagem rumo à segurança todas essas ofensas morais cada vez são menos notícia e aparecem com menor frequência “no noticiário”. Infelizmente, o destino dos choques é transformar-se na rotina tediosa da normalidade – e o dos pânicos é desgastar-se e desaparecer da vista e das consciências, envoltos no véu do esquecimento (Bauman, 2016, p. 7).


Ademais, a falta de um estatuto jurídico internacional específico para essas populações migrantes compromete a efetividade das medidas de proteção, evidenciando uma lacuna crítica no regime internacional de direitos humanos (Torelly et al., 2017).


Sob esse viés, a realidade das migrações ambientais reflete, também, a desigualdade histórica entre os países do Norte e do Sul Global. O consumo excessivo de recursos naturais por parte das economias industrializadas contribuiu significativamente para o aquecimento global, enquanto os países em desenvolvimento, que historicamente emitiram menos gases de efeito estufa, enfrentam as consequências mais severas (Viola & Basso, 2016, p. 7). Essa dinâmica impõe a necessidade de um debate sobre justiça climática, onde os países mais responsáveis pelo colapso ambiental assumam sua parcela de responsabilidade no acolhimento e reassentamento de refugiados climáticos (Schimitt & Gonçalves, 2019).


Destarte a crise climática como geradora de crises migratórias não pode ser negligenciada pelas instâncias internacionais. A ausência de uma estrutura legal internacional robusta para amparar migrantes climáticos expõe essas populações a situações de extrema vulnerabilidade, tornando urgente a formulação de um arcabouço normativo que reconheça sua condição e lhes garanta direitos fundamentais (Torelly et al., 2017, p. 53). Em um mundo cada vez mais impactado pelas mudanças climáticas, é imprescindível adotar medidas que conciliem desenvolvimento sustentável, justiça climática e proteção dos direitos humanos dos deslocados ambientais.


Referências:


BAUMAN, Zygmunt. Estranhos à nossa porta. Rio de Janeiro: Zahar, 2016.


SCHIMITT, Thales Jéferson Rodrigues; GONÇALVES, Verônica Korber. A migração ambiental no regime internacional de mudança climática sob a perspectiva da AOSIS. Revista de Graduação e Pós-Graduação em Ciências Sociais, v. 6, n. 1, 2019.


TORELLY, Marcelo et al. Política de refúgio do Brasil consolidada. Brasília: OIM, 2017.


VIOLA, Eduardo; BASSO, Larissa. O sistema internacional no Antropoceno. RBCS, v. 31, n. 92, 2016.

 


[1] Henrique de Jesus dos Santos é graduando em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB) e possui formação em Comércio Exterior. Com uma trajetória acadêmica e profissional voltada para a interseção entre política e economia global, seus interesses abrangem Ciência Política, Comércio Exterior, Política Externa e Mudanças Climáticas. Sua atuação reflete um olhar estratégico sobre as dinâmicas do cenário internacional, considerando tanto as relações comerciais quanto os desafios ambientais contemporâneos.

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