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Um olhar sistêmico para os sistemas alimentares

Bruna Martins Gomes Dellova

 

Sistemas alimentares são o amplo conjunto de elementos, como indivíduos, ambientes, insumos, instituições, infraestruturas e atividades, envolvidos na produção, processamento, distribuição, preparo, consumo e descarte de alimentos, relacionados a outros sistemas como: econômico, social, saúde, energia, comércio e meio ambiente. A interação de todos esses elementos, por sua vez, deve ser tratada da forma mais equilibrada possível, gerando como consequência Sistemas Alimentares Sustentáveis.


Por definição, estes seriam os sistemas aptos a oferecer Segurança Alimentar e Nutricional e promover alimentação adequada e saudável, garantindo a boa nutrição para toda a sociedade, de forma que as bases econômicas, sociais e ambientais, para garantir a SAN das gerações futuras não seja comprometida. Embora na atualidade a grande maioria dos sistemas alimentares sejam baseados no modelo globalizado capitalista mercantil, alguns ainda guardam estreita relação com a cultura e natureza, resultando em uma produção menos agressiva ao meio ambiente e mais sustentável.


Na dinâmica atual dos sistemas alimentares, com tendente piora frente ao estímulo da mineração, principalmente dos metais terras-raras, podemos agrupar o Brasil em quatro grandes grupos alimentares, com base em dados do Índice Multidimensional de Sistemas Alimentares Sustentáveis Revisado para o Brasil (MISFS-R, 2022). A sua versão mais recente, publicada em 2022, é composta por 46 indicadores divididos nas 4 dimensões dos sistemas alimentares – ambiental, social, econômica e nutricional. Nesse índice, o mapeamento dos sistemas alimentares leva em consideração o cruzamento de fatores como: disponibilidade e qualidade da água, uso de agrotóxicos e desmatamento, segurança alimentar, acesso físico e financeiro ao alimento, obesidade e desnutrição, aleitamento materno e acesso à energia elétrica, dentre outros.


Os estados do centro-oeste, mais Acre, Tocantins e Rondônia, desde os anos 60 recebem incentivos políticos para a produção agrícola e hoje tornaram-se a "capital do agronegócio". Com a produção intensiva e latifundiária, é nesses estados que os indicadores ambientais tiveram pior desempenho. Maior emissão de gases de efeito estufa, maior pegada de carbono na produção de alimentos e maior número de notificações de intoxicação por agrotóxicos são a grande problemática deste sistema. É, ainda, o sistema com menor consumo de ultraprocessados, considerando, principalmente, o fato de ser a maior região produtora de alimentos (o que aumenta exponencialmente a oferta e exposição de alimentos in natura) e também maior exportadora (Carvalho et.al, 2022).


Os estados do sul e sudeste possuem a maior desigualdade de gênero e raça no campo, maior uso de agrotóxicos e foi o segundo sistema alimentar com maior número de notificações de intoxicação por agrotóxicos na agricultura. A dimensão social dessas regiões teve como ponto positivo o melhor acesso físico e financeiro aos alimentos, porém, foi identificada uma maior desigualdade de gênero e de raça/cor de pele nos cargos de gestão das propriedades rurais. Nestas regiões a cesta básica teve o seu maior preço e em relação à dimensão nutricional foi verificada uma menor prevalência de desnutrição crônica e de doenças relacionadas à alimentação (Carvalho et.al, 2022).


Nos estados do Nordeste encontramos as piores pontuações para indicadores nutricionais, de renda e de produtividade. O passado colonial da cana-de-açúcar deixou uma distribuição de terras desigual e pouca valorização da força de trabalho disponível. Até hoje, o Estado não conseguiu promover mudanças estruturais necessárias para o desenvolvimento socioeconômico destes estados. Positivamente, é a região que menos emite gases de efeito estufa na produção de alimentos, e a que menos utiliza água doce na agropecuária. Recentemente, tem sido a área que mais fez transição agrícola, ou seja, áreas de preservação passaram a ser exploradas pelo sistema agropecuário. Possui o menor custo de cesta básica e maior equidade de gênero nos cargos de gestão.


Nos estados ocupados pela floresta Amazônica temos a maior concentração de áreas preservadas do país. Apesar da rica biodiversidade, tem o pior cenário de insegurança alimentar, com menor acesso e disponibilidade de alimentos, menor diversidade da dieta, junto a maior carga de desnutrição crônica infantil. Ainda, apresentam menores produtividade e renda no setor de produção de alimentos e também menor infraestrutura (Carvalho et.al, 2022).


É nítida a complexidade dos sistemas alimentares, e mais ainda a homogeneização destes. Envolvendo diversos fatores, é de se esperar que ocorram interferências significativas e que vêm se acelerando com a atuação e preferências humanas. É um cenário volátil, e desembocamos no atual desenho de sistema alimentar – insustentável. A concentração de terras, a produção de monoculturas, o uso excessivo de água e solo, a utilização de agrotóxicos e transgênicos, o desperdício e as longas distâncias entre quem produz e quem consome, causam um impacto ambiental elevado.


Ressaltamos, por fim, que as tendências observadas para os próximos anos serão causadas em grande parte pela intensificação das mudanças dos hábitos alimentares. O aumento do uso de aplicativos para entrega de alimentos preparados, iniciados na pandemia COVID devido ao fechamento de restaurantes e fast-foods, faz com que as pessoas em geral tenham muito mais acesso a alimentos ultraprocessados. A dinâmica de “mercado on-line”, nesse sentido, favorece muito mais as grandes cadeias de varejo, diminuindo a exposição dos pequenos agricultores em feiras livres, por exemplo. Também, a diminuição do consumo de carne e outros produtos sofisticados (azeite, por exemplo), devido a fatores como desaceleração econômica global, aumento do desemprego e diminuição da renda per capita (Embrapa, 2020).

 

 

Referências

 

CARVALHO, Aline Martins de; GARRIDO, Giovanna; MARCHIONI, Dirce Maria Lobo; NORTE, Marina Manutenção; NUNES-GALBES, Nadine Marques; PORCIÚNCULA, Laura; SARTI, Flávia Mori. Measuring food systems sustainability in heterogenous countries: The Brazilian multidimensional index updated version applicability. Sustain. Dev. 31, 91–107. doi: 10.1002/sd.2376.

 

AGUADO, Mateo; GONZÁLEZ, José A.; OTEROS-ROZAS, Eliza; RUIZ-ALMEIDA, Adriana; RIVERA-FERRE, Marta G. Uma análise sócio-ecológica do sistema agroalimentar global. Processo. Nacional. Acad. Ciência. 116, 26465–26473. doi: 10.1073/pnas.1912710116.

 

SEIXAS, Mario Alves. Segurança Alimentar pós-covid-19: megatendências dos sistemas alimentares globais. Série Diálogos Estratégicos (NT34). Brasília: EMBRAPA, 2020. Disponível em: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/2155006/1/Seguranca-alimentar-pos-Vocid19.pdf. Acesso em 23 AGO 2024.

 

SCHNEIDER, K., FANZO, J., Haddad, L., HERRERO, M., MONCAYO, JR, HERFORTH, A., et al. (2023). O estado dos sistemas alimentares em todo o mundo na contagem regressiva para 2030. Nat. Food 4, 1090–1110. doi: 10.1038/s43016-023-00885-9.

 

 

 

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