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Suas definições de "Desastres" precisam ser atualizadas

 

Jessica Cindy Kempfer[1]

 

Em 2024, as enchentes e alagamentos no Rio Grande do Sul (Brasil) atingiram 2,3 milhões de pessoas, resultando em 157 mortes, 88 desaparecidos e milhares de casas destruídas. Ainda no mesmo ano, as queimadas devastaram 11,39 milhões de hectares no país, um aumento de 116% em relação ao ano anterior. Desse total, 70% das áreas destruídas eram de vegetação nativa, com o mês de agosto respondendo por quase metade dessa área – 5,65 milhões de hectares, o equivalente ao estado da Paraíba. Esses últimos são números, divulgados pelo Monitor do Fogo, do MapBiomas.


Os eventos que vivenciamos, como queimadas descontroladas, enchentes devastadoras e a degradação dos ecossistemas, são frequentemente classificados como "desastres naturais" pela grande mídia. No entanto, é importante questionar essa categorização. A palavra desastre, derivada do latim dis-astro, sugere algo cósmico, imprevisível e fora do controle humano. No entanto, o que enfrentamos não é fruto de um alinhamento desfavorável (ou um desalinhamento) dos astros ou de forças cármicas além de nosso alcance. São, na verdade, consequências diretas, previsíveis e inevitáveis das ações humanas, fruto de decisões econômicas e políticas que priorizam o lucro em detrimento da sustentabilidade e da preservação ambiental.


Tratar o ocorrido como “desastre” nos remete a concepções de desgraça e acidente, mas está claro que os danos ambientais e sociais que testemunhamos são resultados diretos de práticas econômicas irresponsáveis. A destruição dos ecossistemas e o dano humanitário e social, com as queimadas e enchentes no Brasil, tem suas raízes em escolhas conscientes que visam o progresso econômico sem considerar as consequências a longo prazo. Esses eventos não são desastres, mas sim uma resposta previsível às ações humanas que degradam a natureza.


Por trás dessas ações, há uma campanha econômica que justifica o uso descontrolado de recursos naturais e territórios, onde os agressores buscam se prover de bens, materiais, portos e rotas comerciais, justificando tais atos como o preço do progresso. Porém, os danos causados são parte de um ciclo previsível de destruição, e não um acaso cósmico.


As consequências dessas ações, que incluem a degradação ambiental, a contaminação de recursos naturais, o aumento da pobreza e as complicações de saúde, são, em sua maioria, previsíveis e causadas por escolhas humanas. Esses eventos não podem ser tratados como mera casualidade, e muito menos como um desastre inevitável. A economia de mercado, que muitas vezes legitima tais práticas, transforma vítimas em meras consequências do "progresso", mas é necessário enxergar além dessa narrativa e reconhecer o papel humano nas causas desses acontecimentos.


Chegamos a um ponto em que não podemos mais nos esconder atrás da palavra "desastre" para justificar a destruição ambiental e as tragédias humanitárias que testemunhamos. As enchentes, queimadas e a devastação que assolam o Brasil em 2024 são apenas os sintomas de um problema maior: o modelo econômico predatório que insiste em explorar os recursos naturais sem considerar as consequências. A verdade é clara, e os números não mentem. Não estamos enfrentando forças além de nosso controle; estamos lidando com os resultados das escolhas que fazemos, dia após dia. A mudança é possível, mas ela começa com pela consciência.


[1] Doutoranda em Direitos Humanos no Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Direito da UNIJUÍ/RS. Bolsista PROSUC/CAPES. Integra o Grupo de Pesquisa do CNPq: Direitos Humanos, Governança e Democracia (Mundus). Mestra em Direito pelo Programa de Pós-graduação Stricto Sensu da ATITUS/RS. Professora dos cursos de Direito e Gestão da ULBRA/RS. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5330-3414. E-mail: jessicakempfer@gmail.com

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