A biodiversidade enquanto conceito tem sido divulgada desde a Rio-92. Alguns autores, como Martins e Sano (2009, p. 57), se propõem a conceituar a biodiversidade remetendo-a à variedade genética, à de organismos e à ecológica. Para Junges (2010, p. 52), “um conjunto dinâmico interativo entre diferentes níveis”, ou ainda, o ciclo de vida, transformação e morte que remete a toda exuberância no planeta (MMA, 2019).
Ocorre que ao longo do tempo, o homem tem utilizado a biodiversidade como mero instrumento para satisfazer a seus interesses econômicos, ao invés de preservar e desenvolver as culturas existentes e que são raras à preservação do planeta em si. À essa forma de se relacionar do homem com a biodiversidade que vai surgir o conceito de sociobiodiversidade, que é “o resultado da soma de natureza mais sociedade” (ARAUJO, 2013, p. 8).
Vale dizer que significa o conjunto de interações culturais, leia-se, a vinculação entre as culturas e a biodiversidade com todas as implicações sociais e ecológicas que dela advém (CAVALHEIRO; ARAUJO, 2017), constituindo as práticas sociais de produção ou de vivência comunitária no trato com a biodiversidade.
Dessa forma, a sociobiodiversidade vai envolver a relação entre a agrobiodiversidade – sistemas agrícolas tradicionais - e a biodiversidade, considerando o uso e manejo dos recursos desta advindo de acordo com o conhecimento e a cultura dos povos tradicionais, voltados à manutenção e valorização de seus saberes, provendo a sua subsistência, respeitando a preservação do meio ambiente (IPÊ, 2019 apud IZOLANI, 2021, p. 41).
A preservação da sociobiodiversidade torna-se crucial, especialmente com as diversas afetações do processo de globalização sobre o Sul Social, que vem enfrentando uma crise ecológica sem precedentes.
Referida crise é complexa, eis que envolve inúmeras questões, decorrendo da globalização, que vai alinhando-se para promover a segregação espacial e a exclusão, para além da hibridização aclamada da alta cultura que, conforme refere Bauman (1999, p. 96), leva a uma perda de poder cultural dos habitantes locais.
Ainda se enfrentam problemas como a bioprospecção de espaços ricos em sociobiodiversidade, denunciada por Vandana Shiva (2003), e esta vem ocorrendo sem a necessidade de extraordinários convencimentos, posta a colonialidade da qual fazemos parte.
Essa colonialidade, que afirma e reafirma a globalização e a hegemonia do Norte, faz com que haja a padronização e o domínio epistemológico, incutindo em países como o Brasil, megasociobiodiversos, a necessidade de progresso para se globalizar e atender às demandas do mercado.
Assim, a ideologia do progresso, tido erroneamente como sinônimo de desenvolvimento econômico, vai sendo concatenada, calcada em uma mentalidade predatória da natureza, assentando o capitalismo, a superexploração e a velha ideia de inesgotabilidade da natureza.
Por fim, destaca-se outro grave problema, que vem destruindo a sociobiodiversidade, ligado à produção de commodities. Essa forma de produção agrícola hegemônica fragiliza o modo sustentável das comunidades tradicionais, pois acaba por introduzir e impor a monocultura como a única forma viável na atualidade, o que reduz a diversidade cultural das formas de trato com a natureza e de interações locais a um único modo de exploração, a monocultura, que atende às demandas do mercado internacional, causando a perda dos conhecimentos tradicionais inerentes à própria subsistência dessas comunidades e da simbiose necessária entre ser humano e natureza.
“Dentre os efeitos que a globalização provoca na sociobiodiversidade está a questão da destruição do conhecimento dos povos tradicionais, da diversidade das espécies e do modo com que a produção de alimentos é realizada, pela maneira que o sistema jurídico determina a propriedade privada como condicionante, dificultando a proteção a terras originárias e beneficiando o capital em prol do social nesse modelo urbano-industrial desenvolvimentista estabelecido no Sul social, seguindo um padrão de agricultura insustentável” (IZOLANI, 2021, p. 43-44).
Portanto, preservar a sociobiodiversidade e repensar a sistemática hegemônica, percebendo que tudo esta interligado a um único ecossistema, pode ser o começo de articulação de nível micro a macro, para o resgate da humanidade enquanto ainda há tempo.
REFERÊNCIAS
ARAUJO, Luiz Ernani Bonesso de. O direito da sociobiodiversidade. In: TYBUSCH, Jerônimo Siqueira; ARAUJO, Luiz Ernani Bonesso de; SILVA, Rosane Leal da (Org.). Direitos Emergentes na Sociedade Global: anuário do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFSM. Ijuí: Unijuí, 2013, pp. 269-291.
BAUMAN, Zygmunt. Globalização: As consequências humanas. Trad. Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999
IZOLANI, Francieli Iung. Direito à segurança alimentar e acesso à informação ambiental: agrointoxicação e impactos do consumo de hortifrutigranjeiros. Orientador: Jerônimo Siqueira Tybusch. 2021. 191f. Dissertação (Mestrado – Centro de Ciências Sociais e Humanas), Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2021.
JUNGES, José Roque. (Bio) Ética ambiental. São Leopoldo: Unisinos, 2010.
MARTINS, Marcio; SANO, Paulo Takeo. Biodiversidade tropical. São Paulo: Unesp, 2009.
SHIVA, Vandana. Monoculturas da mente: Perspectivas da biodiversidade e da biotecnologia. Trad. Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: Gaia, 2003.
Comments