As emissões de carbono do 1% mais rico da população é maior que dobro das emissões da metade mais pobre da humanidade.
Essa é a conclusão do relatório Confronting Carbon Inequality emitido pela organização inglesa Oxfam em 2020: "Apesar das quedas acentuadas nas emissões de carbono em 2020 ligadas à pandemia COVID-19, o crise climática - que é impulsionada pelo acúmulo de emissões na atmosfera com o tempo - continuou a crescer".
Dentre as conclusões do estudo também estão:
a) Os 10% mais ricos foram responsáveis por mais da metade (52%) das emissões adicionadas à atmosfera entre 1990 e 2015.
b) O 1%o mais rico foi responsável por 15% das emissões durante este período - mais do que todos os cidadãos da UE e mais de o dobro da metade mais pobre da humanidade (7%).
c) Durante esse tempo, os 10% mais ricos explodiram um terço de nosso orçamento global de carbono de 1,5 C, em comparação com apenas 4% para a metade mais pobre da população. O orçamento de carbono é a quantidade de dióxido de carbono que pode ser adicionada à atmosfera sem fazer com que as temperaturas globais subam acima de 1,5 ° C - a meta estabelecida pelos governos no Acordo de Paris para evitar os piores impactos das mudanças climáticas descontroladas.
d) As emissões anuais aumentaram 60% entre 1990 e 2015. Os 5% mais ricos foram responsáveis por mais de um terço (37%) desse crescimento.
e) O aumento total nas emissões do 1% mais rico foi 03 vezes maior do que o dos 50% mais pobres.
Como argumenta a jovem ambientalista Greta Thunberg: "Nem todo mundo é culpado. São poucas pessoas, e, para salvar o planeta, devemos lutar contra eles, as empresas deles e o dinheiro deles, e fazer com que eles assumam a culpa" (2019, p. 99).
Existem relevantes questões sociais relacionadas ao modo de produção adotado pelas sociedades humanas que precisam ser levadas em conta quando abordamos a crise climática.
Originalmente, o movimento ambientalista “acusava o capitalismo, o gigantismo das instituições, o lucro, o industrialismo, o consumismo, o materialismo, o individualismo a competição, a hierarquia e suas sutis formas de opressão e dominação, e outros valores como os elementos responsáveis pela crise ambiental contemporânea” (LAYRARGUES, 2003, p. 43). Depois da segunda metade do século XX, contudo, os problemas ambientais passaram a ser tratados como um problema natural (puramente ecológico), separado de questões sociais (DALLA RIVA, 2020, p. 58).
"Trata-se de fenômeno que se deu, segundo Layrargues (2003, p. 44), pelo mecanismo de apropriação ideológica do ambientalismo que enfraqueceu o movimento. Essa apropriação ocorreu através de duas principais estratégias: (1) a primeira seria a difusão da noção de que a crise ambiental é planetária e, portanto, todos os seres humanos seriam igualmente vítimas e responsáveis pelos problemas enfrentados; (2) a segunda é que, a partir da primeira, o ser humano como espécie passou a ser considerado culpado pelos problemas ambientais, não havendo a consideração de sujeitos sociais específicos nesse processo. Esse discurso pautado na urgência de uma crise ambiental da qual todos são vítimas e responsáveis fez com que as pessoas focassem e priorizassem tal questão como algo apartado dos problemas sociais, deixando de lado questões como a as diferenças sociais e econômicas existentes entre e dentro dos países (DALLA RIVA, 2020, p. 58).
Foi a partir desse movimento que, segundo Layrargues, "abandonou-se a concepção inicial do movimento ambientalista de que os efeitos colaterais do modo de produção capitalista é que gera desestruturação social e ecológica, evidenciando a infiltração hegemônica no pensamento ambientalista" (DALLA RIVA, 2020, p. 59),
Nesse sentido, estudos como o realizado pela Oxfam são de extrema importância ao lembrar ao movimento ambientalista que somos todos responsáveis, mas não somos todos culpados na mesma medida pela crise climática e que, portanto, devemos repensar as verdadeiras causas dos problemas ambientais e sociais atualmente existentes, o que significa repensar nosso modelo civilizatório.
O acesso à informação hoje não é distribuído igualitariamente quando se diz respeito à instalação de empreendimentos ou consumo de produtos danoso ao ambiente e à saúde. Assim, em que pese estar difundida a noção de que todos os habitantes do planeta estão sujeitos aos problemas ambientais na mesma proporção, trata-se de raciocínio simplista, já que é “sobre os mais pobres e os grupos étnicos desprovidos de poder recai, desproporcionalmente, a maior parte dos riscos ambientais socialmente induzidos, seja no processo de extração de recursos naturais, seja na disposição de resíduos no ambiente” (ACSELRAD; MELLO; BEZERRA, 2009, p. 12-16).
É a partir desse cenário que surgiram os movimentos por justiça ambiental. Inicialmente EUA a partir dos anos 80, esses movimentos identificaram que a atuação estatal concorre com a aplicação desigual das leis ambientais e que a atribuição desigual dos riscos ambientais encontra raiz na fraqueza política dos grupos que residem as áreas mais atingidas (ACSELRAD; MELLO; BEZERRA, 2009, p. 20).
Em síntese, deve-se compreender por justiça ambiental o conjunto de princípios e práticas que garanta: a) que nenhum grupo social suporte de maneira desproporcional as consequências ambientais negativas; b) o justo e equitativo acesso, direto e indireto aos recursos ambientais nacionais; c) o ampla acesso às informações relevantes sobre o uso de tais recursos, a destinação de rejeitos e as fontes de riscos ambientais; d) processos democráticos participativos na definição de políticas, planos, programas e projetos ambientais; e) a constituição de sujeitos coletivos, movimentos sociais e organizações na busca pela democratização do acesso aos recursos ambientais e a sustentabilidade de seu uso (ACSELRAD; MELLO; BEZERRA, 2009, p. 29-30).
Referências e sugestões:
Confira esta palestra sobre "Racismo ambiental".
ACSELRAD, Henri; MELLO, Cecilia Campello do Amaral; BEZERRA, Gustavo das Neves. O que é Justiça Ambiental. Rio de Janeiro: Garamond, 2009
ACSELRAD, Henri; MELLO, Cecilia Campello do Amaral; BEZERRA, Gustavo das Neves. O que é Justiça Ambiental. Rio de Janeiro: Garamond, 2009
DALLA RIVA, Leura. De Marx ao MST: capitalismo financeirizado e forma jurídica como entraves à agroecologia. 112f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal de Santa Maria, Centro de Ciências Sociais e Humanas, Programa de Pós-Graduação em Direito, 2020.
DOWBOR, Ladislau. A era do capital improdutivo: Por que oito famílias têm mais riqueza do que a metade da população do mundo? São Paulo: Autonomia Literária, 2017.
LAYRARGUES, Philippe Pomier. A natureza da ideologia e a ideologia da natureza: elementos para uma sociologia da educação. Tese (doutorado). Disponível em: http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/2010/artigos_teses/2010/Sociologia/teses/layrargues_philipp_pomier.pdf. Acesso em: 06 maio. 2020.
THUNBERG, Greta. et al. Nossa casa está em chamas: ninguém é pequeno demais para fazer a diferença. Tradução Sonia Lindblom. Rio de Janeiro: BestSeller, 2019.
Comments