top of page

Os direitos da Natureza como um "imperativo ecológico": as contribuições de G. Stutzin


Uma importante contribuição teórica a respeito dos direitos da Natureza, muitas vezes ignorado ou desconhecido, vem dos trabalhos de Godofredo Stutzin das décadas de 1970 e 1980, especialmente o texto Un imperativo ecológico: reconocer los derechos de la Naturaleza[1], no qual o autor defende que o reconhecimento da Natureza como parte integrante dos conflitos ambientais é um imperativo para garantir a proteção dos ecossistemas.


Stutzin sustenta que reconhecer a Natureza como uma entidade dotada de direitos é juridicamente possível e responde a uma necessidade prática, configura uma conditio sine qua non para frear o processo de destruição da biosfera gerado pela “tecnocracia desumanizada” criada artificialmente pelos seres humanos para uma exploração da Natureza que se aprofundou não apenas quantitativamente, mas também qualitativamente nos últimos séculos. Isso porque "“No obstante ser producto y parte integrante de la naturaleza, el hombre se ha ido disociando de ella hasta el punto de convertirse en su enemigo, librando en contra de ella una guerra de agresión cada vez más intensa y extensa". Nessa realidade, a "tecnosfera" (artificial) se impõe para sobrepor a biosfera (natural) (STUTZIN, 1984, p. 97 e ss.)


Ainda para o autor, o desenvolvimento hipertrófico da “tecnosfera”, criada artificialmente pela humanidade, custou a integridade e vitalidade da biosfera e promoveu a separação material entre homem e Natureza que resultou no desapego mental e espiritual deste último da esfera natural da vida. Stutzin vincula ainda a guerra com a destruição da Natureza e a paz com a busca do equilíbrio ecológico e afirma o paralelismo entre a exploração da Natureza pelo homem e a exploração do homem pelo homem: "donde la naturaleza es explotada sin misericordia, lo es también el hombre y viceversa” (STUTZIN, 1984).


O reconhecimento de direitos da Natureza para Stutzin não configura um atentado aos direitos humanos, mas uma garantia de que estes serão protegidos das pressões provocadas pela tecnocracia desumanizada. Enquanto permaneça considerada apenas como um "bem" a Natureza permanecerá subordinada aos interesses humanos e terá seu valor medido a partir desses interesses. A Natureza precisa ter seus "interesses juridicamente protegidos", ou seja, possuir direitos para que seja efetivamente protegida no âmbito jurídico através da promoção da uma justiça ecológica (STUTZIN, 1984).


A Natureza, para Stutzin, opera a partir de dois princípios fundamentais e complementares: diversidade e equilíbrio. A diversidade das formas de vida se mantém graças ao equilíbrio e este se sustenta na diversidade de elementos do mundo natural. O interesse básico da Natureza, assim, consiste em viver e evoluir de acordo com esses princípios que, contudo, são atacados pelas atividades humanas que substitui a diversidade pela uniformidade e rompe o equilíbro da vida natural (STUTZIN, 1984).


G. Stutzin elenca alguns motivos para impulsionar uma consciência ecológica e criar uma opinião e ação em defesa da Natureza. Para tanto, o autor apresenta os valores que envolvem a biosfera, podendo ser classificados como: 1) “valores intrínsecos da Natureza” e 2) “valores para os seres humanos”. Estes últimos podem então serem divididos entre (a) valores materiais ou (b) valores imateriais ou éticos:


a) el interés material inmediato de proteger el medio ambiente humano actual contra la contaminación y el deterioro de sus elementos naturales;

b) el interés material mediato de resguardar este ambiente y sus recursos naturales en beneficio de las futuras generaciones humanas;

c) el interés inmaterial de conservar el mundo natural por razones afectivas (afinidad y amor), espirituales (goce estético y vivencia emotiva) e intelectuales (formación educativa y estudio científico); y

d) el interés moral de cuidar y defender las formas y condiciones de vida de la naturaleza en atención a su valor intrínseco. (STUTZIN, 1984, p. 97 e ss.)

 

O autor defende o reconhecimento de personalidade jurídica à Natureza, seja por ser considerada em sua existência e valor real ou ainda como uma ficção jurídica, a exemplo do que no caso das pessoas jurídicas. A Natureza, diferentemente de muitas pessoas jurídicas cujos interesses conflitam com o “bem geral”, possui existência “natural” (vale dizer, não é uma ficção humana) e cumpre uma função essencial na manutenção do planeta e da vida. A Natureza, portanto, deve ser reconhecida como uma pessoa jurídica sui generis que ultrapassa os limites tradicionais do Direito (STUTZIN, 1984). Segundo o autor:


Dada su condición de contraparte de la humanidad en todos los niveles, la naturaleza reviste el carácter de una persona jurídica a la vez supranacional y omnipresente cuyos derechos pueden y deben hacerse valer en todos los ámbitos, desde el mundial hasta el local. Se trata de una persona jurídica de Derecho Público que puede asimilarse a una "Fundación para la Vida", la cual ha sido creada por sí misma (o ha sido creada, si se quiere, por un Creador) para hacer del planeta tierra la morada de un universo de seres vivientes” (STUTZIN, 1984, p. 104)


A Natureza, portanto, deve deixar de ser considerada apenas um interesse a ser protegido e passar a atuar como sujeito do interesse protegido na qualidade de “fundação para a vida”, pois, assim como as outras fundações jurídicas, a Terra possuiria um patrimônio voltado a um objetivo que compreende todos os elementos animados e não animados do mundo natural (STUTZIN, 1984).


Stutzin propõe que a Natureza tenha seus interesses representados nos conflitos ambientais por “procuradores da Natureza”, “defensores públicos da Natureza” ou ainda “conselhos de defesa da Natureza”, isto é, organismos públicos autônomos, tanto em nível global quanto nacional e local que representem a Natureza com amplas faculdades e plena independência. O autor ainda ressalta que, como a Natureza ainda é vista com uma roupagem de “meio ambiente humano”, a sua proteção pelo direito e pelas autoridades que a devem proteger atendem aos interesses da coletividade humana e não necessariamente da Natureza em si (STUTZIN, 1984). Assim argumenta o autor:


Como toda persona jurídica, la naturaleza requiere de representantes que hagan valer sus derechos en la práctica, complementando la capacidad de goce con la de ejercicio. Es obvio que estos "procuradores de la naturaleza" deben identificarse con los intereses de su representada [...] Finalmente, será necesario crear organismos públicos autónomos, a niveles tanto mundial como nacional y local, que tengan a su cargo la representación de la naturaleza con amplias facultades y con plena independencia "de jure" y "de facto", sin perjuicio de la intervención, ya sea complementaria o subsidiaria, de los representantes antes mencionados. A estos "Defensores Públicos de la Naturaleza" o "Consejos de Defensa de la Naturaleza", como podrían llamarse entre nosotros, les corresponderá también ejercer las funciones de un "ombudsman" que recoja y haga valer debidamente las inquietudes ecológicas de la comunidade”.(STUTZIN, 1984, p. 107)


O autor ressalva, contudo, que o reconhecimento de personalidade jurídica à Natureza é um processo em evolução, lento e complexo, mas possível, tendo em vista que muitas coisas que foram consideradas como objetos com o tempo passaram a ser reconhecidas como sujeitos, a exemplo das mulheres, dos escravos etc.


Acesse o texto completo de Stutzin aqui.

[1] Os argumentos de Stutzin já vinham sendo desenvolvidos em textos anteriores, como: “Should we Recognize Nature's Claim to Legal Rights?" de 1976.


Referências


STUTZIN, Godofredo. Un imperativo ecológico: reconocer los derechos de la naturaleza. Amb. Y Des. v. 1, n° 1, págs. 97-114, dic. 1984

29 visualizações0 comentário

Commentaires


bottom of page