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Foto do escritorFrancieli Iung Izolani

O PL DO VENENO

O PROJETO DE LEI 6.299/2002: PL DO VENENO OU PL DO ALIMENTO MAIS SEGURO?


O PL do Veneno é o Projeto de Lei 6.299/2002, originado de vários apensos e anexos, dentre os quais do Projeto de Lei 2.495/2000, que pretende atualizar a Lei nº 7.802, de 11 de julho de 1989 (Lei dos Agrotóxicos), alterando os artigos 3º e 9º, flexibilizando regras sobre o uso, controle, registro e, até mesmo, fiscalização dos agrotóxicos, o que tenderá à liberação e facilitação ainda em maior escala dos venenos na agricultura, atividade primária no Brasil.


Referido projeto foi proposto em 13 de março de 2002 pelo Senado Federal, representado por Blairo Maggi, contendo a ementa:


Ementa: Altera os arts 3º e 9º da Lei nº 7.802, de 11 de julho de 1989, que dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2002).

PL do Veneno ou Lei do Alimento Mais Seguro?


Segundo Izolani e Tybusch (2020, p. 15), “o PL do Veneno é defendido pelo setor do agronegócio como uma norma necessária à modernização das necessidades na sociedade brasileira moderna, tais como a facilitação na avaliação e na liberação dos agrotóxicos”. Por isso, seus defensores o chamam de Lei do Alimento Mais Seguro.

Acrescente-se que, pelo debate entre os supostamente estudiosos do assunto, fica evidenciada a colonialidade na reprodução de seus discursos, pois, na prática, ocorrerá o aumento das ameaças aos direitos humanos, em termos de direito à saúde dos agricultores e dos consumidores, de direito à segurança alimentar, à alimentação adequada, à sustentabilidade no geral, além da maior dependência dos agricultores brasileiros em relação às grandes corporações importadoras de venenos e de pacotes de transgênicos, aumentando as questões ambientais e socioeconômicas no campo.


O PL do Veneno modifica o art. 3º da Lei 7.802/1989. Quais seus impactos?


Objeto do PL do Veneno, o art. 3º passaria a vigorar com um parágrafo a mais, o § 7º, prescrevendo que “ O registro prévio a que se refere o caput será o do princípio ativo, reconhecida a similaridade quando se tratar de produto substancialmente equivalente com suas características físicas, químicas e toxicológicas” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2002).


Quais as alterações sobre o art. 9º da Lei 7.802/1989?


O caput do art. 9º prescreve que “No exercício de sua competência, a União adotará as seguintes providências:”, mencionado artigo teria seu inciso I alterado de “legislar sobre a produção, registro, comércio interestadual, exportação, importação, transporte, classificação e controle tecnológico e toxicológico;” (BRASIL, 1989) para “legislar sobre a produção, registro, comércio interestadual, exportação, importação, transporte, destruição de embalagens, classificação e controle tecnológico e toxicológico;” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2002; grifo nosso).


A emenda PL 713-A/1999

Um dos apensos ao PL do Veneno é de autoria do então Deputado Dr. Rosinha, em 27 de abril de 1999, solicitando a proibição do uso do 2,4D, com larga fundamentação da gravidade, e propondo a emenda (PL 713-A/1999) ao PL original, para acrescentar o art. 20-A à Lei 7.802/1999, “Fica proibido em todo o território nacional o uso de agrotóxicos que tenham como componente o ácido 2,4 Diclorofenoxiacético (2,4-D)” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2002, p. 2).

Todavia, mais de 20 anos após a proposta, são inúmeros os casos relatados de contaminação pelo 2,4-D, utilizado em larga escala na agricultura brasileira, sem haver um enrijecimento sobre o assunto.

Nesse instante, as discussões sobre a utilização do 2,4-D sobre culturas de uva e vinhos, maçãs, dentre outras acirram-se ante aos reflexos socioambientais causados, inclusive com Ações Civis Públicas.


O que trata o apenso PL 2.495/2000?


O PL 2.495/2000, pretende a mudança da definição de agrotóxicos, sugerindo o acréscimo de dois incisos ao art. 2º da Lei 7.802/1989:


III – produtos fitossanitários de referência: os agrotóxicos, seus componentes e afins inovadores, registrados no órgão federal componente e comercializados no País, cuja eficácia, segurança e qualidade foram comprovadas cientificamente junto a esse órgão, por ocasião do registro.


IV – produtos fitossanitários genéricos: os agrotóxicos, seus componentes e afins similares, quanto ao teor de princípios ativos, grau de pureza, tipo de apresentação, formulação, classificação toxicológica, classificação ambiental e eficiência agronômica, aos produtos fitossanitários de referência, fabricados após expirar-se o período de proteção patentária ou, na sua vigência, mediante concessão do detentor da patente. (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2002, p. 21)


Com longa justificação sobre a alteração do termo agrotóxico, estendendo o termo utilizado aos medicamentos, explicando que “através destes procedimentos, alcançar-se-á o relevante objetivo de aumentar-se a concorrência entre fornecedores de agrotóxicos e afins, seguindo-se a redução de seus preços e, consequentemente, do custo de produção de nossas lavouras” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2002, p. 25).


Vale dizer, através das mudanças simplificadoras, deve ser incentivado o uso cada vez mais intenso e barato dos agrotóxicos, desprezando-se as questões atinentes à saúde dos agricultores e dos consumidores, afinal, o que importa é o livre mercado.


O anexo PL 3.125/2000 e a maior discricionariedade ao Ministério da Agricultura e o registro temporário


Entre as propostas de mudanças no PL do Veneno está a maior discricionariedade ao Ministério da Agricultura, reduzindo o prazo do processo de autorização de novos produtos, que hoje é de cerca de 5 anos, por passar por análise dos riscos à saúde e ao meio ambiente no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para somente então ser autorizado pelo Ministério da Agricultura (Mapa). Com a nova proposta, o Mapa poderá autorizar o registro temporário antes do retorno das análises pelo Ibama e pela Anvisa, com a duração total do processo de até 2 anos.


O registro temporário e a exigência de exames toxicológicos foram objeto da emenda ao PL do Veneno, o PL 3.125/2000, do Sr. Luís Carlos Heinze, justificando que “é injusto e incorreto exigir testes e ensaios toxicológicos e ambientais de produtos similares, como se fossem produtos novos” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2002, p. 35).


A emenda PL 5.852/2001 e o agrotóxico genérico


Já, em 2001, o PL 5.852, emenda ao PL do Veneno, de autoria do Sr. Rubens Bueno, propôs, dentre outras, a alteração do art. 3º, §7º, e do art. 6º, V, sobre a questão dos agrotóxicos genéricos, informando a importância da divulgação e das propagandas a respeito, para que haja maior procura e incentivo à utilização, assim como é feito com relação aos medicamentos genéricos. Veja:


Art. 3º (...)


§7º Fica permitido o registro de agrotóxicos, seus componentes e afins designados como genéricos, ou seja, medicamentos similares a um produto de referência ou inovador, que se pretende ser com ele intercambiável, geralmente produzido após a expiração ou renúncia da proteção patentária ou de outros direitos de exclusividade, comprovada a sua eficácia, segurança e qualidade, e designado pela Denominação Comum Brasileiro-DCB ou, na sua ausência, pela Denominação Comum Internacional- DCI.


Art. 6º (...)


V- os medicamentos que ostentam nome comercial ou marca ostentarão também, obrigatoriamente com o mesmo destaque e de forma legível nas embalagens e materiais promocionais, a Denominação Comum Brasileira ou, na sua falta, a Denominação Comum Internacional em letras e caracteres cujo tamanho não será inferior a um meio do tamanho das letras e caracteres do nome comercial ou de marca. (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2002, p. 47-48)


Dessa alteração acima referida, a justificativa trazida já na primeira linha denota a questão da colonialidade embutida naqueles que deveriam se utilizar das leis – os detentores do poder de legislar ao povo brasileiro e em prol dele – para libertar o país das práticas que consubstanciam o caráter hegemônico, mas ao contrário, afirmam no PL do Veneno (2002) que


O país tem passado, recentemente, por uma verdadeira revolução na área de fármacos de uso humano. O advento dos chamados genéricos já está provocando uma mudança de hábitos dos consumidores, a mídia brasileira tem dado grande destaque a esses medicamentos e o Governo colhe os bons frutos de uma política pública que só tem angariado apoio da sociedade brasileira, em que pese ainda muito modesta participação de mercado dos genéricos (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2002, p. 48-49).


Não bastasse o acima trazido, continua-se mais adiante que “a importância de uma política de genéricos na agropecuária pode ser percebida pelo montante de recursos despendidos com os produtos das duas indústrias envolvidas” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2002, p. 49) e vão sendo acrescentados dados sobre a lucratividade dos agrotóxicos, afirmando que “segundo o site do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Defesa Agrícola, o consumo de defensivos agrícolas no ano de 2000 chegou ao montante de U$ 2.499.958.000,00” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2002, p. 49). Portanto, o desenvolvimento econômico está acima de qualquer suspeita e pode ser utilizado para justificar qualquer prática que incida graves malefícios sobre a saúde, o meio ambiente, ou quem quer que seja, pois não importa que se defenda a sustentabilidade complexa do sistema posto, a lucratividade vai cegar aqueles que deveriam enxergar por todos os brasileiros.


De acordo com Izolani e Tybusch (2020), a gravidade encontra-se no fato de que essa medida propiciará a liberação de produtos com baixo risco, ficando a proibição da liberação apenas aos produtos de risco inaceitável, somado à não mais necessidade de receituário pelo engenheiro agrônomo para a aplicação nas culturas para algumas substâncias, para casos preventivos, o que pode disseminar o uso dos agrotóxicos indistintamente. Igualmente, os riscos socioambientais continuarão a existir.


O que trata o PL 5.884/2005 (anexo do PL do veneno)?


Referido anexo ao PL do Veneno, o PL 5.884/2005, é de autoria do então Deputado Lino Rossi, e propõe o registro especial temporário, ao acrescentar o §8º ao art. 3º da Lei nº 7.802/1989:


Art. 3º (...)

§8º Fica criado o registro especial temporário de produto equivalente, com as seguintes características:

I – permitirá, durante a sua vigência, a produção, a exportação, a importação, a comercialização e a utilização dos produtos assim registrados;

II – vigerá por cento e oitenta dias, podendo ser sucessivamente renovado até que se conclua a análise, pelos órgãos competentes, do processo de equivalência, observado o disposto no § 7º deste artigo.

III – será imediatamente cancelado, caso a análise do processo referido no inciso II deste parágrafo conclua pela não-equivalência do produto;

IV – será concedido pelo órgão registrante, mediante a apresentação, pelo requerente, de documentos que atestem que o produto em questão:

a) em se tratando de produto técnico equivalente: tem o mesmo ingrediente ativo de outro produto técnico já registrado, cujo teor, bem como o conteúdo de impurezas presentes, não variem a ponto de alterar seu perfil toxicológico e ecotoxicológico;

b) em se tratando de produto formulado equivalente: possui, em comparação a outro produto formulado já registrado, a mesma indicação de uso, produtos técnicos equivalentes entre si e a mesma composição qualitativa, admitindo-se a ocorrência de variação quantitativa de componentes, desde que esta não leve o produto equivalente a expressar diferença no perfil toxicológico e ecotoxicológico frente ao do produto em referência. (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2002, 58-59).


Nas justificativas do referido anexo, é trazida a questão do equacionamento de um grave problema, que seria supostamente a morosidade dos processos de registro e de comprovação de equivalência ante à importação de inseticidas, herbicidas, fungicidas, inclusive entre os parceiros comerciais do Mercosul (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2002, p. 60 apud IZOLANI; TYBUSCH, 2020).


E de quem é a competência quando o tema é agrotóxicos?


Hoje, a competência é concorrente entre União, Estados e Distrito Federal, podendo os Municípios regularem localmente algumas questões.


Todavia, com o PL do Veneno, ela será tornada privativa, não permitindo mais que os demais entes federativos legislem sobre o tema, propiciando a centralidade, permitindo que a utilização de agrotóxicos seja ampla pela certeza de uma impunidade, frente à falta de órgãos fiscalizadores ativos, dificultando o controle e fiscalização.


E como fica a questão da propaganda (ainda hoje ineficaz)?

Hoje, ela é regulada pela Lei nº 9.294/1996, que estimula advertência sobre os riscos dos agrotóxicos, mas o que ocorre é a leitura do rótulo e a manipulação sem equipamento de segurança.

Ela passa apenas nos canais rurais e em publicações do setor ruralista, de forma a macular os riscos e os impactos do uso de agrotóxicos.

Note-se, portanto, que, mesmo com toda a regulamentação, a propaganda sequer é acessível a todos. Com a mudança, ficará ainda mais dificultoso exigir o respeito ao direito do consumidor.


O PL 4.166/2012 e a mudança na nomenclatura do termo agrotóxico


Por fim, para assegurar a alienação de forma irrestrita, encontra-se entre as propostas, a alteração do termo agrotóxico, que já foi sugerido como produto fitossanitário, depois como pesticida e, recentemente, como defensivo agrícola, representado um verdadeiro retrocesso e acirrando a maculação dos verdadeiros efeitos, causando menos impacto aos usuários em geral.

Após inúmeros projetos de lei anexos desde 2002, o PL 4.166/2012, de autoria do então Deputado César Halum, trouxe novamente a nomenclatura defensivos agrícolas para o art. 2º da Lei nº 7.802/1989,e lhe acrescentou a fundamentação para a obtenção de seu caráter genérico, em um completo retrocesso, prescrevendo seu inciso III que são “defensivos agrícolas genéricos: herbicidas e insumos equivalentes a outro produto técnico anteriormente registrado” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2002, p. 102).

Não bastasse, a justificativa foi de que “a instituição de fertilizantes, herbicidas e pesticidas genéricos incentivará a concorrência no setor, resultando na redução dos custos dos produtos para os agricultores, que poderá ser repassada a população na diminuição nos preços dos alimentos.” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2002, p. 102).

Ainda que, “a instituição de defensivos agrícolas genéricos também irá proporcionar às empresas nacionais condições para competir com as grandes multinacionais do setor, beneficiando também as indústrias” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2002, p. 103).

Repetidamente, a justificativa trazida para tanto acentua cada vez mais que o Brasil não deixou de ser Colônia, tampouco evoluiu a complexidade de seu pensamento, reproduzindo discursos outrora já aceitos para a implementação da Revolução Verde.


E então, depois desse breve resumo, estamos diante de um PL do Veneno ou da Lei do Alimento Mais Seguro?


Referências


BRASIL. Lei 7.802, de 11 de julho de 1989. Dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências. Brasília: 11 jul. 1989. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7802.htm. Acesso em: 30 out. 2019.


CÂMARA DOS DEPUTADOS. PL 6.299/2002. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=46249. Acesso em: 30 set. 2019.


IZOLANI, Francieli Iung; TYBUSCH, Jerônimo Siqueira. A PL do Veneno e a substituição do termo “agrotóxico”: O poder de persuasão através da ferramenta de linguagem hegemônica. Anais de 2020 do IV Congresso da FURB.

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