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O mito da cidade inteligente diante da cidadania digital e dos ODS 11 e 5 da Agenda 2023 da ONU

Sabrina Lehnen Stoll

 

As cidades inteligentes derivam da combinação entre capital humano, capital social e Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) buscando o desenvolvimento sustentável e políticas públicas que contribuam para um melhor convívio em sociedade (CARAGLIU; DEL BO; NIJKAMP, 2009). As cidades inteligentes e TICs devem visar os ODS que concebem o núcleo da Agenda 2030, com ações nas dimensões econômica, social e ambiental, tem metas que recomendam os caminhos a serem trilhados e as medidas a serem seguidas para erradicar a pobreza e requerer vida digna a todos os cidadãos do mundo (ONU – BRASIL, 2022).

Contudo, as cidades inteligentes para geógrafos digitais devem apreender uma ampla gama de possibilidades de vida e libertação, que começa por teorias de mapeamento sobre as falhas políticas refletidas nos estudos de códigos negros e queer para as relações socioespaciais de urbanismo mediadas digitalmente. Baseado em modos de análise de geografia feminista relacional, argumenta-se que ler a cidade inteligente pelas falhas é medida necessária para teorizar arranjos normativos de intervenção, ou seja, onde deve prevalecer o político, o econômico e o socioespacial nas relações que definem o urbanismo digital em determinados lugares e épocas, bem como as técnicas que fomentam o consentimento da sociedade para esses arranjos.

Dentro deste meio mais amplo, a mediação digital cresce em avanços de mobilidades e pelo encontro humano nas cidades, o qual produz relações socioespaciais hierárquicas da vida cotidiana, aprofundando modos de acumulação e expropriação por marcadores sociais de raça e de gênero. Tem-se as vidas daqueles materialmente favorecidos por meio da supremacia branca, da colonialidade e da cis/heteronormatividades mediadas por mobilidades cada vez maiores, com velocidade e consumo também cada vez maiores que amplificam privilégios já existentes e diretamente ligados à raça, classe e gênero, enquanto aqueles já renderizados em estruturas precarizadas permanecem expostos à captura, ao controle e à remoção em áreas urbanas.

A ascensão das cidades inteligentes como uma resposta à urbanização acelerada, bem como as tecnologias de informação, traz consigo a oportunidade de integrar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU. A intersecção entre cidades inteligentes e ODS deve servir para um desenvolvimento urbano mais inclusivo e sustentável (ONU, 2022).

O ODS 11 destaca a importância de tornar as cidades inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis. As cidades inteligentes, por sua vez, buscam aprimorar a qualidade de vida dos cidadãos por meio da integração de tecnologias e dados. Exemplos de sinergias incluem a utilização de infraestrutura tecnológica para melhorar a acessibilidade urbana e a gestão eficiente de recursos, abordando assim os aspectos de sustentabilidade do ODS 11. Dessa forma, busca-se através das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) o desenvolvimento sustentável e políticas públicas que contribuam para um melhor convívio em sociedade, e na diminuição das desigualdades (ONU, 2022).

O ODS 5 concentra-se na igualdade de gênero e empoderamento de mulheres e meninas. Ao incorporar essa dimensão nas estratégias de cidades inteligentes, pode-se promover a participação igualitária das mulheres na tomada de decisões e no desenvolvimento urbano. Tecnologias inclusivas e soluções de mobilidade podem contribuir para a criação de ambientes urbanos mais igualitários (ONU, 2022).

A incorporação bem-sucedida dos ODS nas estratégias de cidades inteligentes deve alinhar projetos que desenvolvam e promovam inovação tecnológica com metas de sustentabilidade e equidade, evidenciando os benefícios tangíveis decorrentes dessa integração. Enquanto as sinergias entre cidades inteligentes e ODS apresentam oportunidades notáveis, os desafios persistem. A governança robusta, a colaboração entre setores e monitoramento eficaz são cruciais para garantir a realização dos objetivos propostos (ONU, 2022).

Por isso, ao implementar iniciativas de cidades inteligentes e sustentáveis de maneira a concretizar a Agenda 2030 da ONU é essencial considerar aspectos relacionados às pessoas em vulnerabilidade, como a inclusão digital que garanta a todos os cidadãos acesso a tecnologias e infraestrutura digital. Certificar-se de que os serviços, transportes e espaços urbanos inteligentes sejam acessíveis a todas as pessoas, independentemente de suas limitações físicas, visuais ou auditivas, ou seja, proporcionar a devida acessibilidade. Efetivar a participação cidadã, que inclui a população vulnerável no processo de planejamento e tomada de decisões para garantir que suas necessidades e preocupações sejam consideradas na concepção de projetos inteligentes (LEITE, 2012).

É necessária a devida proteção dos dados e privacidade, que assegura que os dados coletados pelas tecnologias das cidades inteligentes sejam utilizados de forma ética e segura, evitando o uso indevido de informações pessoais; habitação acessível considerando o impacto da modernização urbana na habitação garantindo que haja opções habitacionais acessíveis para grupos de baixa renda e em situação de vulnerabilidade; educação e capacitação; investir em programas de capacitação digital e educação para ajudar as pessoas em vulnerabilidade a aproveitar as oportunidades oferecidas pelas tecnologias inteligentes; utilizar tecnologias inteligentes para melhorar a segurança urbana, mas garantir que não haja vigilância excessiva que possa afetar as liberdades individuais dos cidadãos, especialmente os grupos relacionados (LEITE, 2012).

Por exemplo, pessoas em vulnerabilidade estão desprotegidas e sujeitas à governança baseada em dados que digitaliza as ações, as escolhas, os movimentos e os usos de serviços por estas, como os sistemas de informação de gestão de pessoas em situação de rua que obrigam a coleta de dados pessoais como condição de elegibilidade para habitação e assistência social nos EUA (BURNS, 2020).

Dessa forma, as noções de cidadania dependem da participação em digitalizar a cidade gerando os dados córregos para serem usados para governá-la (BURNS, 2020). O assunto normativo da cidade inteligente é, por definição, aquele que detém a vantagem estrutural, como a suficiência em recursos digitais, sociais e econômicos para fazer o trabalho de codificação da cidade em prol de quem financia esse sistema.

Em resumo, as cidades inteligentes têm o potencial de melhorar a qualidade de vida e criar oportunidades para todos os cidadãos. No entanto, é crucial abordar as desigualdades existentes e garantir que as pessoas em vulnerabilidade não sejam excluídas dos benefícios proporcionados pelas tecnologias e inovações urbanas. Um planejamento cuidadoso e uma abordagem inclusiva frente a cidadania digital são fundamentais para o sucesso das cidades inteligentes e para criar comunidades mais equitativas e resilientes (LEITE, 2012), gerando cidades em que os investimentos em capital humano e social, assim como em infraestruturas, fomentam o desenvolvimento econômico sustentável e uma alta qualidade de vida para sua população, com um manejo inteligente dos recursos naturais, por meio da ação participativa e o compromisso (CARAGLIU; DEL BO; NIJKAMP, 2011).

São de extrema importância as práticas de cidadania digital e a implementação dos ODS 11 e 5, que podem ser combinados para criar soluções urbanas inovadoras, como, por exemplo, projetos que abordam desafios específicos, como acesso à educação e inclusão de grupos marginalizados (ONU, 2022).

A cidade considerada "inteligente" constitui em si uma estratégia política, construída em torno de estruturas sociais e espaciais profundamente desiguais. As contradições apresentadas nesse contexto são mascaradas por meio de ideologias tecnoculturais, as quais apresentam essas configurações como inevitáveis e aceitáveis. É crucial enfatizar que essa situação está longe de ser definitiva. Em vez disso, ela serve como uma base para reconhecer os espaços e a religião de outras práticas digitais que estão desfazendo as amarras e reformulando essas provisões perante a sociedade em geral (ONU, 2022).

Ao exercer a cidade digital como uma dinâmica socioespacial, fica evidente como a digitalização estabelece limites normativos. Além disso, essa perspectiva oferece algumas abordagens analíticas para mapear os trajetos nos quais a política das falhas rompe com essa estrutura e corrige as ordens socioespaciais da vida na cidade "inteligente" para possibilitar outras formas de sucesso. Em outras palavras, essa situação ainda está em disputa e evolução (ONU, 2022).

Os ODS 11 e 5 da Agenda 2030 da ONU configuram instrumentos capazes de moldar o desenvolvimento urbano de maneira positiva. Dessa forma, é necessário aos governos analisar e refletir como esses objetivos podem ser traduzidos em políticas e práticas concretas para melhorar a qualidade de vida nas cidades, com foco na inclusão e igualdade da cidadania digital (ONU, 2022).

O que se busca é enfatizar a necessidade de repensar a abordagem das cidades inteligentes, incorporando as perspectivas da cidadania digital em conformidade com os princípios dos ODS 11 e 5. Argumenta-se que somente através dessa integração holística será possível alcançar cidades verdadeiramente eficientes, equitativas e inclusivas para todos os cidadãos.

 

Referências

 

C’ARDENAS, Micha. Shifting futures: Digital trans of color praxis. In: Ada: A Journal of Gender and New Technology. Disponível em: https://adanewmedia.org/2015/01/ issue6-cardenas. Acessado em: 25 jul. 2023.

BURNS, R.; ANDRUCKI, M. J.Smart Cities: Who Cares? EPA: Economy and Space, pp.1-19, 2020.

BYRD, J.; GOLDSTEIN, A.; MELAMED, J.; REDDY, C. Predatory value: Economies of dispossession and disturbed relationalities. Social Text n.135, v. 36, pp. 1–18, 2018.

 

CARAGLIU, A., DEL BO, C.; NIJKAMP, P. Smart cities in Europe. Proceedings of the 3rd Central European Conference on Regional Science, Košice,p. 1–15, 2009.

 

CARAGLIU, A.; DEL BO, C.; NIJKAMP, P. Smart Cities in Europe. Journal of Urban Technology, v. 18, n. 2, p. 65-82, abr. 2011.

 

LEITE, Carlos. Cidades sustentáveis, cidades inteligentes: desenvolvimento sustentável num plano urbano. Porto Alegre: Bookman, 2012.

 

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. ONU – Brasil. ONU Brasil. Disponível em: https://brasil.un.org/sites/default/files/2021-02/Brasil_Relatorio_Progresso_2019.pdf>. Acesso em: 25 jul. 2023.

 

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