Profa. Dra. Maralice Cunha Verciano
CEDEUAM – Universidade do Salento- Lecce – Itália
O direito à educação ambiental no Brasil encontra-se tutelada de forma ab origine no artigo 225, inciso VI da Constituição Federal de 1988, o qual dispõe que: “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade vida, impondo-se ao Poder Públicoe à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público “promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”; (Artigo 225, ⸹1º, inciso VI). Para além dessa previsão constitucional, a Educação Ambiental foi complementada com o advento da Lei no. 9795/97 que instituiu o Programa Nacional de Educação Ambiental (PNEA), onde o princípio ambiental da participação encontra representatividade, justamente por causa da expressa disposição constitucional que direciona e determina a presença conjunta do Estado e da coletividade na proteção e conservação do meio Ambiente.
A Lei supracitada, tem raízes na Conferência de Tbilisi realizada em 1977, a primeira conferência intergovernamental realizada pela UNESCO, cujo tema central do debate era educação ambiental. Seguindo as recomendações feitas em Tbilisi, a PNEA, reafirma o dever de fomentar a educação ambiental em estudantes nos campos das ciências técnicas e naturais, sociais e artísticas, reforçando o entendimento que a interrelação entre todas essas áreas do conhecimento pode produzir a evolução da sociedade e a maior consciência sobre os problemas ambientais que assolam o Planeta.
Vê-se portanto, que o Brasil, reconhece que a educação ambiental é uma necessidade que ultrapassa as fronteiras brasileiras, tornando-se uma necessidade mundial devendo estar presente em todas as sociedades, fazendo parte da vida do indivíduo não somente no âmbito e no espaço escolar, mas também na esfera familiar, ou seja, a educação ambiental deve fazer parte de todo cotidiano do indivíduo, até porque, segundo Kant (1996, p.11) “o homem é a única criatura que precisa ser educada”.
Ampliando o seu ordenamento jurídico na tutela ambiental, em 17/07/2024, foi promulgada a Lei no. 14.926, que alterou a Lei no. 9795/99, com o objetivo de assegurar atenção às mudanças do clima, à proteção da biodiversidade e aos riscos e vulnerabilidades a desastres sociambientais no âmbito da Política Nascional de Educação Ambiental. O novo dispositivo legal, alterou o artigo 5º. Da Lei no. 9795/99, que estabelece os objetivos fundamentais da educação ambiental, acrescentando o inciso VIII que prevê “o estímulo à participação individual e coletiva, inclusive das escolas de todos os níveis de ensino, nas ações de prevenção, de mitigação e de adaptação relacionadas às mudanças do clima e no estancamento da perda de biodiversidade, bem como na educação direcionada à percepção de riscos ede vulnerabilidades a desastres sociambientais”. (Art. 5º., inciso VIII, Lei no. 14.926/24), e também acrescenta o inciso IX, o qual estabelece “o auxílio à consecução dos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente, da Política Nacional sobre Mudança do Clima, da Política Nacional da Biodiversidade, da Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, do Programa Nacional de Educação Ambiental e das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental, entre outros direcionados à melhoria das condições de vida e da qualidade ambiental”. (Art. 5º., inciso IX, Lei no. 14.926/24).
Também o artigo 8º., onde fica estabelecido que os príncipios e objetivos fixados pela Lei 9597/99, deverão respeitar as atividades vinculadas à Política Nacional de Educação Ambiental, foi alterado com a inserção do inciso II-A, no que se refere ao desenvolvimento de instrumentos e de metodologias com vistas a assegurar a efetividade das ações educativas de prevenção, de mitigação e de adaptação relacionadas às mudanças do clima e aos desastres ambientais, bem como ao estancamento da perda da biodiversidade”.
Ainda sobre as alterações, o artigo 10 passou a vigorar com dois novos parágrafos, o ⸹ 4º. e 5º., os quais determinam que “será assegurada a inserção de temas relacionados às mudanças do clima, à proteção da biodiversidade, aos riscos e emergências socioambientais e a outros aspectos referentes à questão ambiental nos projetos institucionais e pedagógicos da educação básica e da educação superior, conforme diretrizes estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação, no uso de suas atribuições legais” (⸹ 4º do artigo 10 da Lei no. 14.926/24) e, ainda que para fins do disposto no caput do artigo 10, o qual expressa que a educação ambiental será desenvolvida no âmbito de uma educação integrada, contínua e permanente, devendo ser trabalhada em todos os níveis e modalidades do ensino formal, ou seja, em todos os ciclos escolares que compõem o sistema de ensino brasileiro, tendo as autoridades por competência supervisionar o teor e a execução dos projetos institucionais e pedagógicos dos estabelecimentos de educação básica e superior. (5º do artigo 10 da Lei no. 14.926/24).
A última alteração pela qual passou a Lei no. 9597/99, foi no seu artigo 13 o qual traz o entendimento que a educação ambiental não formal é a educação que tem as suas ações e práticas educativas voltadas à sensibilização da coletivdades sobre as questões ambientais e à sua organização e participação na defesa da qualidades do meio ambiente, devendo o Poder Público , em níveis federal, estadual e municipal incentivar a sensibilização da sociedade para a relevância das ações de prevenção, de mitigação e de adaptação relacionadas às mudanças do clima e aos deastres sociambientais, bem como ao estancamento da perda de biodiversidade, (inciso VIII do artigo 13).
Numa breve análise das alterações sofridas na Lei no. 9597/99, observa-se que a única novidade trazida é a referência às mudanças climáticas. Significa que, no âmbito do sistema de ensino brasileiro, a educação ambiental, que quando trabalhada nos ciclos escolares e que até então, tratava de questões ligadas ao meio ambiente, passa a tratar das questões ligadas ao clima e suas drásticas alterações, o que tem provocado catástrofes ao redor de todo o Planeta Terra, colocando em risco a sobrevivência de todas as espécies de vida nele existentes. Inclusive, fazendo uma distinção entre questões ambientais e climáticas, como se as mudanças climáticas não fizessem parte das situações de degradação ambiental.
Mas, e na prática, muda alguma coisa? Dificilmente. O percurso da educação ambiental no Brasil é lento e difícil e por razões várias, dentre elas, se encontra a falta de formação dos professores sobre os temas ligados às questões ambientais e climáticas. Nesse sentido, a pergunta que persiste é a seguinte: Como profissionais que não têm formação sobre temas relacionados às mudanças climáticas, pode informar e formar indivíduos sobre o assunto? Esse é um objetivo pouco provável de ser alcançado, haja vista que um sistema de capacitação que vise uma educação objetiva e coerente, deve ter em conta a necessidade de “ampliação e a diversificação das fontes legítimas de saberes e a necessária coerência entre o saber-fazer que é o saber-ser-pedagófico”. Um sistema formativo que não negue a “compreensão da prática docente enquanto dimensão social da formação humana”, que assuma “uma postura vigilante contra todas as práticas de desumanização”, reconhecendo a educação como sendo “uma prática permanente” (FREIRE, 1996, p. 6).
Todavia, com uma educação, sobretudo, a pública, completamente desmantelada como é o caso da educação brasileira, promulgar uma Lei que altere a legislação destinada a instituir a Política Nacional de Educação Ambiental propondo assegurar atenção às mudanças climáticas, à proteção da biodiversidade e aos riscos e vulnerabilidades a desastres socioambientais, sem traçar planos de atuação, de como na prática, se logrará êxito, é um que fazer que está fazendo, sem na verdade fazer coisa alguma.
Essa conclusão parte da análise das alterações trazidas na Lei no. 14.926/24, visto que a inclusão do inciso VIII do artigo 5º. , prevê o estímulo à participação individual e coletiva a partir do envolvimento das escolas de todos os níveis de ensino, de forma a criar ações de prevenção, de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Porém, essa incerção, não se justifica pois o artigo 3º., estabelece que “como parte do processo educativo mais amplo, todos têm direito à educação ambiental, incumbindo a sociedade no seu todo de ter atenção permanente à formação de valores, atitudes e habilidades que possibilitem a atuação individual e coletiva voltada para a preservação, a identificação e a solução de problemas ambientais”. (Art. 3º., inciso IV da Lei 9597/99). Assim, observa-se que a alteração apenas acrescenta que a participação individual e coletiva deve ser voltada para as questões climáticas.
Na sequência da análise das alterações aqui apresentadas, o art. 8º. § 3o ,insicio II-A propõe o desenvolvimento de instrumentos e de metodologia com vistas a assegurar as ações educativas de prevenção, mitigação e de adaptação seja com relação às mudanças climáticas que com os desastres ambientais e a perda da biodiversidade. Verifica-se que esse dispositivo, em muito se assemelha ao estabelecido nos incisos I e III do mesmo artigo e do mesmo parágrafo, pois, nesses últimos, está expresso que as ações de estudos, pesquisas e experiências deverão estar voltados para o desenvolvimento de instrumentos e metodologia, com o objetivo de ter a dimensão ambiental incorporada nos diferentes níveis e modalidades de ensino, de forma interdisciplinar, tendo esses instrumentos e metodologia o escopo de promover a participação dos interessados na formulação de pesquisas que se destinem às problemáticas ambientais. Percebe-se novamente, que as propostas são as mesmas, o que alterou foi o destinatário, ou seja, o que era direcionado para as questões ambientais, passam a incluir as mudanças climáticas. De novo, nada, somente inclusão de vocábulos.
Na mesma seara, o artigo 10, incluiu dois parágrafos, o 4º. e o 5º., estabelece que nos projetos institucionais e pedagógicos da educação básica e da educação superior, a partir das diretrizes dadas pelo Conselho Nacional de Educação, deverá estar inseridos temas referentes às mudanças climáticas, à proteção da biodiversidade, aos riscos e emergências sociambientais, ficando as autoridades competentes responsáveis por supervisionar o teor e a execução dos projetos propostos. No entanto, não menciona quem são essas autoridades competentes, e como esses projetos institucionais e pedagógicos serão construídos. Parágrafos que nada dizem se transformando em palavras que se podem receber algum adjetivo, o mais indicado seria ‘simbólicas’, que não demonstram força normativa ou coerência com as catástrofes que o próprio país vem enfrentando com relação as mudanças apresentadas pelo clima.
O artigo 13, ao incluir o inciso VIII, chama a sociedade para se sensibilizar sobre a relevância das ações de prevenção, de mitigação e de adaptação referentes às mudanças do clima, porém, o inciso IV do mesmo artigo, também reclama a sensibilização da sociedade, somente mudando o foco das mudanças climáticas, para dar ênfase a importância das unidades de conservação. Mas, é possível desconectar as unidades de conservação das ações de prevenção? Elas não necessitam de ações de mitigação? Não é preciso traçar estratégias para que essas áreas se adaptem a todas as mudanças que
Não por menos, pode-se deixar de concordar com, o ponto de vista de Santomé (1998, p. 17), quando discorre sobre o tema, sendo categórico ao afirmar que: “Não devemos esquecer que muitas vezes, para estar na moda ou cumprir a legalidade, muda-se apenas a aparência das propostas; no fundo, porém, continua se fazendo a mesma coisa”. Ainda segundo o autor, esse modismo pode fragilizar “a rica filosofia de conceitos como os que estamos mencionando pode acabar em mera rotina, em propostas. técnicas, completamente alheias aos problemas que serviram de estímulo para sua formulação” (SANTOME, 1998, p. 17). O que leva a pensar que a educação ambienta no Brasil, na prática, segue a passos lentos e a alteração da Lei no. 9597/99 a partir da promulgação da Lei no. 14.926/24, não fará muita diferença no cotidiano do sistema de ensino brasileiro. A falta de estratégias ou o não cumprimento das já existentes ameaçam novamente a efetividade da educação ambiental no contexto educacional do país.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
BRASIL. Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental e institui a Política Nacional de Educação Ambiental. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 28 abr. 1999.
BRASIL. Lei nº 14.926, de 17 de julho de 2024. Altera a Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999, para assegurar atenção às mudanças do clima, à proteção da biodiversidade e aos riscos e vulnerabilidades a desastres socioambientais no âmbito da Política Nacional de Educação Ambiental. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 18 jul. 2024.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
SANTOME, Jurjo Torres. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
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