top of page
  • Foto do escritorMariana Monteiro Pillar

Navio cargueiro: uma ameaça mascarada

Mariana Monteiro Pillar

 

A expansão da agropecuária ocorreu devido a aceleração do desenvolvimento humano e econômico que demandou cada vez mais insumos de origem animal para sanar as necessidades básicas da sociedade. Para tanto, a agropecuária se mostra como um elemento de transformação negativo da natureza, por se tratar de uma prática predatória que tem início com o cultivo de pastagens que ocupam o espaço dos campos naturais, seguindo pela redução da biodiversidade que acarreta um desequilíbrio da natureza. (Ribeiro, 2018). 


Adentrando as críticas dessa alternativa de lucratividade, os impactos socioambientais são incalculáveis, em virtude da multiplicação dos rebanhos para saciar os desejos dos países exportadores, uma das principais necessidades advindas com o comércio, foi a expansão do cultivo das pastagens. O campo em seu estado natural não era mais capaz de suprir as demandas alimentares dos animais, sendo necessário implantar um novo método de cultivo de alimentos, a pastagem.


Nesse seguimento, Aldrighi (2022), aponta que a pastagem, caracteriza o modelo extensivo de produção bovina, ou seja, os animais são criados no campo, mas se alimentam de um pasto, introduzido naquele recinto para garantir a nutrição de rebanhos cada vez maiores. Ainda, de acordo com dados extraídos do estudo de campo da autora, no ano de 2017, o modelo extensivo alcançava 96%, ou seja, a maioria do rebanho brasileiro era criado a base de pastagem, o que ensejou na necessidade de maiores áreas de terra, cumulando em maiores índices de desmatamento.


Frente ao exposto, o que se percebe é que os impactos gerados pela exportação de gado vivo, ocorrem em cadeia, pois um efeito está associado ao outro, seja de forma direta, seja de forma indireta, mas todos se interligam na cadeia de produção de proteína animal. Nessa sequência, outro desafio correlacionado com a expansão da criação bovina é o desmatamento. Diante da necessidade de terras, a opção mais econômica financeiramente é desmatar.


Infelizmente o Brasil conta com índices elevados de desmatamento que atinge todas as regiões de forma acelerada e contínua. Gabriela Mapeli (2023, p. 27), conceitua o desmatamento como sendo “todo o processo de degradação da vegetação nativa de uma região, bem como a retirada da vegetação rasteira”. Nesse viés, o desmatamento contribui com a devastação de grandes áreas de vegetação nativa, trazendo grandes consequências ao meio ambiente, dentre elas ganham destaque a perda da biodiversidade local, perda do habitat natural de animais silvestres e a morte e extinção de muitas espécies. (Mapeli, 2023).


Além dos impactos visíveis, tem os problemas invisíveis, estudo que medem os níveis de emissões de gases do efeito estufa, demonstram que a agropecuária gera mais emissões de gases do que todos os meios de transporte juntos, sendo que 50% das emissões de gases de efeito estufa são decorrentes da agropecuária. Como exposto, a produção de proteína viva é a maior responsável pelo desmatamento e é o principal motor da destruição da floresta, extinção de espécies, erosão do solo e pelas zonas mortas do oceano (MELL, 2018).


Não obstantes aos impactos elencados, como é sabido o aumento da criação extensiva de bovinos no país se deu por uma razão específica, a exportação. Assim, além de todos os impactos gerados ao meio ambiente, faz-se necessário compreender o impacto que a exportação causa ao animal em sua individualidade, enquanto ser comprovadamente senciente, ou seja, aquele que sente os estímulos aos quais é submetido de forma consciente.


A brutalidade que perpassa o caminho da exportação é surreal, tendo início com a retirada dos animais de seus locais de origem, qual seja, as pastagens, onde viviam de forma livre, para percorrer longos quilômetros em carrocerias de caminhões até chegar aos portos, onde permanecem em “quarentena” pelo período aproximado de 40 a 60 dias. São hospedados em mangueiras imundas, na companhia de milhares de suas espécies. Na sequência, são depositados nos porões dos navios para então iniciar a travessia cruel.

Sobre o tema, Sturaro (2023), enfatiza que a sociedade não imagina o sofrimento pelos quais esses animais passam até chegar ao destino, enfrentam superlotação de baias, alojamentos inadequados e espaços extremamente pequenos que acarretam luxações, quebraduras, estresses psicológicos e muitas vezes a morte. Magna Regina (2023), médica veterinária que realizou a inspeção judicial no Navio Nada, objeto da ação civil nº 5000325-94, foi veroz ao afirmar em seu relatório as condições insalubres e crueis as quais os animais são submetidos. 


Sem contar o impacto que a exportação de animais vivos traz aos oceanos, pois as toneladas de dejetos produzidas ao longo do caminho, são depositadas no mar. Dessa forma, os impactos causados pela exportação de gado vivo, a longo prazo nos oceanos é incerta. Os dejetos contam com grande concentração de nitrogênio, fósforo e sal, substâncias essas que ao entrar em contato com a biodiversidade marinha, ocasionam zonas mortas, pois degradam os recifes e os corais. Ribeiro (2018), corrobora com os argumentos acima aduzidos, ao afirmar que:

 

Despejados na água, além de contaminá-la eles darão origem a um processo denominado eutrofização, no qual o excesso de matéria orgânica favorece a proliferação de algas e bactérias que consomem boa parte do oxigênio do meio, tornando-o hipóxico (ou seja, com nível baixo de oxigênio) e, portanto, inadequado para outros organismos aquáticos. (RIBEIRO, 2018, p. 25).

 

Como visto, a exploração animal é uma ameaça real ao meio ambiente e aos animais, e embora o Brasil, carrega consigo preceitos importante de direito animal, possuindo inclusive o artigo 225, §1º, VII, destinado a garantir os direitos fundamentais aos animais, tais como, “direito à integridade física, psíquica, direito de ter seu comportamento natural respeitado, direito em ser alimentado e de ter sua sede saciada” (Ataíde Júnior, 2018, p. 50). Do mesmo modo, é signatário da Declaração Universal do Direito dos Animais da Unesco de 1978.


Quando se trata de consumo de alimentos de origem animal, o Brasil se destaca em vários aspectos, demonstrando se tratar de um país extremamente especista, que subjuga algumas espécies em detrimento da humana. Nesse contexto, segundo dados do Ministério da Indústria, Comércio e Serviço, em 2020 o país bateu recorde em exportação de animais vivos.

Nesse tocante, Lourenço (2020) reitera que:

 

A miopia antropocêntrica não nos permite enxergar a vida que em torno de nós palpita e nos deixa acomodados diante da triste perda proveniente do abate, da mutilação, ou da sujeição dos animais a experiências dolorosas e traumatizantes. Esse é o caso do transporte de animais vivos. A mesma miopia não nos permite a sensação de empatia para com o sofrimento e a vulnerabilidade alheia. O horror específico dos navios de transporte não está no número de animais que carregam mar adentro, que de tão grande, é abstrato demais para ser concretizado por nós. O horror está no fato de nos recusarmos a nos colocar no lugar do outro, daqueles seres explorados, torturados e abusados, de afirmarmos que a vida importa menos para os animais que para nós. Os argumentos de ordem econômica não devem sobrepujar o reconhecimento da dignidade que cada vida animal carrega em si mesmo (Lourenço, 2020, p. 70).

 

Nesse viés, a exportação de animais vivos traz consigo uma série de impactos que vêm sendo mascarados pela bancada ruralista, pois utilizam de argumentos no sentido de enfatizar acerca da importância da exportação para a economia do país. Entretanto, diversos economistas já se manifestaram no sentido de que a exportação de animais vivos, acarreta mais prejuízos do que ganhos. Logo, levando em conta os comandos de bem-estar animal, bem como nos direitos da natureza, direitos das presentes e futuras gerações e direito dos animais a melhor forma de realizar essa prática seria com os animais já abatidos, pois diminuiria a demanda pelos países do oriente médio, os importadores, o que consequentemente diminuiria a produção de bovinos no país, como consequência lógica, os impactos ambientais e animais seriam minimizados.


Referências


ALDRIGHI, Thayná Payão. As externalidades ambientais negativas da produção de carne bovina no Brasil. Trabalho de Conclusão de Curso. Universidade Federal de Santa Catarina, Centro Sócio Econômico, Graduação em Ciências Econômicas, Florianópolis, 2022.


ATAÍDE  JÚNIOR,  Vicente  de  Paula. Introdução  ao  Direito  Ambiental  Brasileiro.  Revista Brasileira   de   Direito   Animal,   v.   13,   n.   03,   p.   48-76,   Set-Dez   2018.  


LOURENÇO, Daniel Braga. A Plataforma do “mínimo realizável” e as “linhas” de Wise. Revista Brasileira de Direito Animal, Salvador, ano 2, nº 2, p. 207-224, jan – jun, 2007. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/RBDA/ article/view/10303. Acesso em 17 jul. 23.


MAGDA, Regina. Veterinária (CRM 7583). Relato de Inspeção Técnica requisitado pela Justiça Federal com vistas a oferecer subsídios para análise da Ação Civil Pública nº 5000325- 94.2017.4.03.6135, em tramitação na 25º Vara Cível Federal de São Paulo, 02 de fevereiro de 2018. Acesso em 23 jul. 23.


MAPELI, Gabriel Silveira. Barreiras ambientais a exportação de carne brasileira. Trabalho de Conclusão de Curso. Universidade Federal de Uberlândia, Centro Sócio Econômico, Graduação em Ciências Econômicas, Uberlândia, 2023.


RIBEIRO, Raquel. Comendo o Planeta: Impactos Ambientais da Criação e Consumo de Animais. 3. ed. Sociedade Vegetariana Brasileira, 2018.


STURARO, George. Exportação de animais vivos: caminho para banir essa prática. Mercy For Animals, 2023.

545 visualizações0 comentário
bottom of page