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“Greenwashing”: Um paralelo com o Imposto Seletivo

José Vítor Ardinghi Brollo


Atualmente, uma significativa parcela do setor empresarial ainda vê as questões ambientais sob a ótica de um modelo capitalista focado essencialmente no lucro. Nessa perspectiva, as iniciativas de proteção ambiental são frequentemente percebidas como obstáculos ao desenvolvimento e ao progresso econômico.


Dentro desse contexto, surge a prática do “greenwashing”, que se caracteriza por uma promoção indevida da responsabilidade socioambiental. Em vez de trazer benefícios reais e sustentáveis para o meio ambiente, essas ações podem gerar impactos negativos significativos.


O conceito de “greenwashing” refere-se às práticas adotadas por governos, organizações não governamentais, empresas e corporações, tanto em iniciativas públicas quanto privadas, com o objetivo de obter vantagens através de alegações ambientais falsas ou exageradas. Essas ações de marketing visam enfatizar as supostas boas práticas ambientais, minimizando os impactos negativos da produção ou valorizando indevidamente produtos e serviços. Cria-se, assim, uma imagem distorcida que exagera os benefícios ambientais de um produto ou serviço.


Essa prática representa uma ameaça global por diversos motivos, sendo um dos principais a desmobilização da sociedade em relação ao engajamento necessário para cumprir as metas de redução de emissões de carbono estabelecidas por autoridades ambientais internacionais. Quando os consumidores não têm certeza sobre a real responsabilidade ambiental de uma empresa, acabam, inadvertidamente, contribuindo para os danos ambientais causados por essas corporações.


A situação é ainda mais grave considerando o estado de emergência climática que enfrentamos. O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) foi classificado pela ONU como um “código vermelho para a humanidade”, destacando a necessidade urgente de mudanças globais para mitigar as consequências do aquecimento global.


Para muitas empresas, adotar uma postura ambientalmente responsável implica reorganizar toda a cadeia produtiva e revisar inúmeros processos, exigindo investimentos financeiros e tempo. Por essa razão, muitas optam por maquiar suas ações, criando uma imagem de conformidade ambiental que não corresponde à realidade. Embora essa abordagem possa parecer vantajosa a curto prazo, os custos futuros podem ser extremamente elevados, tanto em termos ambientais quanto econômicos.


Neste contexto, convém traçar um paralelo entre a prática do “greenwashing” e a própria Reforma Tributária no Brasil, promulgada pelo Congresso Nacional em 20 de dezembro de 2023 que modificará o sistema tributário pátrio, trazendo uma nova tributação das mercadorias e dos serviços, bem como a criação de outro novo imposto, o chamado Imposto Seletivo.


A reforma traz muitos aspectos positivos, especialmente na nova tributação das mercadorias e dos serviços, pois pretende uniformizar alguns impostos e assim criar o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), cuja competência é compartilhada entre Estados e Municípios, e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência da União.


Destacam-se a adoção de uma não cumulatividade mais abrangente, a transparência na carga tributária das operações, a extinção gradual dos benefícios fiscais, e a progressiva desvinculação das renúncias fiscais unilaterais como estratégia para enfrentar as desigualdades regionais, entre outras melhorias.


Entretanto, a criação do novo Imposto Seletivo representa um ponto crítico da reforma. Conforme aprovado pela Câmara dos Deputados, este imposto incidirá sobre a produção, comercialização e importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, o que gerou controvérsias.


Ao refletirmos sobre a incidência do Imposto Seletivo, resta evidente que há uma livre arbitrariedade para que a União institua tributação pelo Imposto conforme julgar apropriado, aplicando-o a praticamente qualquer operação com bens e serviços. Dessa forma, a escolha dos bens e serviços que serão tributados adicionalmente pelo novo imposto foram completamente transferidos para o legislador infraconstitucional.


Portanto, uma vez que a Constituição não estabeleceu limites específicos, as possibilidades são amplas, limitadas apenas pela imaginação e, por que não, pela necessidade de arrecadação.


Já está, inclusive, previsto no texto aprovado até agora que o Imposto Seletivo poderá incidir também sobre “operações relativas à energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais.”


Assim, importante destacar que a implementação do Imposto Seletivo tem um grande potencial para gerar disputas tributárias. Isso porque, como a instituição do tributo é baseada no impacto negativo à saúde ou ao meio ambiente, pode-se argumentar que apenas danos significativos justificariam a criação do tributo, e não qualquer grau de prejuízo.


Parece que o uso do Imposto Seletivo como instrumento para desestimular o consumo de determinados bens ou serviços foi abandonado desde o início, tornando-se apenas mais uma ferramenta de arrecadação.


A seletividade do imposto foi definida com critérios tão amplos que acabam não selecionando nada. Infelizmente, o imposto seletivo pode acabar sendo usado como instrumento de “greenwashing”, ou seja, que o discurso de proteção ambiental e saúde serve apenas para mascarar interesses arrecadatórios.


Portanto, o caminho mais inteligente e sustentável é buscar mudanças reais e urgentes para uma verdadeira adequação às exigências ambientais, evitando as armadilhas do “greenwashing”, como a incidência do Imposto Seletivo, e contribuindo de forma efetiva para a preservação do meio ambiente.



Referências


BOMFIM, Eduardo Cesar Muniz. Imposto seletivo da Reforma Tributária frente ao greenwashing e healthwashing. Lee, Brock, Camargo Advogados. Agosto de 2023. Disponível em: https://lbca.com.br/imposto-seletivo-da-reforma-tributaria-frente-ao-greenwashing-e-healthwashing/#:~:text=Infelizmente%2C%20o%20imposto%20seletivo%20%E2%80%95%20que,servem%20apenas%20para%20travestir%20interesses. Acesso em: junho de 2024;


MALAR, João Pedro. Greenwashing: o que é e como identificar a prática da falsa sustentabilidade. CNN Brasil Business em São Paulo. Agosto de 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/greenwashing-o-que-e-e-como-identificar-a-pratica-da-falsa-sustentabilidade/. Acesso em: junho de 2024;


MILLER, Brandon. Veja as principais conclusões do relatório do IPCC sobre a crise climática. CNN. Agosto de 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/veja-as-principais-conclusoes-do-relatorio-do-ipcc-sobre-a-crise-climatica/. Acesso em: junho de 2024;


Reforma tributária promulgada: principais mudanças dependem de novas leis. Agência Senado. Dezembro de 2023. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/12/21/reforma-tributaria-promulgada-principais-mudancas-dependem-de-novas-leis. Acesso em: junho de 2024;


SOUZA, José Fernando Vidal de. Uma abordagem crítica sobre o greenwashing na atualidade. Revista de Direito Ambiental e Sociambientalismo. e-ISSN: 2525-9628. Maranhão.  p. 148–172. Jul/Dez de 2017. Disponível em: https://indexlaw.org/index.php/Socioambientalismo/article/view/3765/pdf. Acesso em: junho de 2024.




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