Jéssica Tavares Fraga Costa
Introdução
A gestão dos recursos hídricos no Brasil é um tema de grande relevância, dada a importante da água para a vida no planeta e para diversos setores econômicos e sociais, como a agricultura, a indústria e a saúde. No entanto, o país enfrenta desafios significativos na administração desses recursos, decorrentes do crescimento populacional, da urbanização desordenada, das mudanças climáticas e da degradação ambiental. Esses fatores pressionam a disponibilidade e a qualidade da água, exigindo uma abordagem integrada e sustentável para garantir a sua preservação e uso eficiente.
O Estado do Rio Grande do Sul, com suas vinte e cinco bacias hidrográficas distribuídas em três regiões hidrográficas, exemplifica bem os desafios e as oportunidades na gestão dos recursos hídricos. A diversidade climática e a vasta extensão territorial do estado acrescentam complexidade à administração dos recursos hídricos, demandando soluções inovadoras e uma gestão integrada que envolva governo, sociedade civil, setor privado e comunidades locais.
A Política Nacional de Recursos Hídricos, instituída pela Lei 9.433/97, introduziu a cobrança pelo uso da água como um dos instrumentos para promover a sustentabilidade e a justiça social na gestão hídrica. Esta medida visa internalizar os custos ambientais associados ao uso da água, incentivando práticas sustentáveis e o uso racional dos recursos hídricos. Contudo, a implementação dessa política enfrenta resistência e desafios, especialmente nas regiões onde a percepção de custo produtivo inibidor prevalece.
No Rio Grande do Sul, apenas o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos conseguiu, até o momento, aprovar a cobrança pelo uso da água, destacando a necessidade de maior institucionalização e aceitação desse instrumento. A análise do processo de implementação revela um déficit de institucionalização e resistência de certos segmentos da sociedade, refletindo a complexidade de equilibrar interesses econômicos, sociais e ambientais.
Esta introdução visa situar o leitor no contexto da gestão dos recursos hídricos no Rio Grande do Sul, enfatizando a importância da cobrança pelo uso da água como um mecanismo de sustentabilidade. O objetivo é discutir os desafios e oportunidades associados à implementação desse instrumento, buscando contribuir para o aprimoramento das políticas de gestão hídrica no estado e no país.
1. Brasil: Entre a Abundância e a Seca — Desafios e Perspectivas na Gestão da Água
Os recursos hídricos são essenciais para a vida no planeta, sendo vitais para a sobrevivência, desenvolvimento e bem-estar das sociedades humanas e de todos os seres vivos. A importância da água transcende fronteiras geográficas, culturais e socioeconômicas, e sua preservação e manejo adequado são imperativos para garantir um futuro sustentável.
A água desempenha múltiplos papéis fundamentais em setores diversos como a agricultura, a indústria, o abastecimento doméstico e a manutenção dos ecossistemas aquáticos. Na agricultura, a água é indispensável para a irrigação de culturas; na indústria, é crucial para processos produtivos e de resfriamento; e, na saúde humana, é essencial para o consumo, higiene e saneamento básico.
Apesar de sua importância incontestável, os recursos hídricos enfrentam desafios crescentes devido à pressão do crescimento populacional, urbanização desordenada, industrialização intensiva, mudanças climáticas e degradação ambiental. Problemas como poluição hídrica, desmatamento de áreas de proteção de mananciais, superexploração de aquíferos e contaminação por agentes patogênicos ameaçam a disponibilidade e qualidade da água globalmente.
Diante desses desafios, é crucial adotar uma abordagem integrada e sustentável para a gestão dos recursos hídricos. Isto implica a implementação de políticas e práticas que promovam a conservação, proteção e recuperação dos ecossistemas aquáticos, bem como o uso eficiente e equitativo da água. Também é essencial promover a conscientização pública sobre a importância da água e incentivar a participação comunitária na busca por soluções sustentáveis.
A gestão eficaz dos recursos hídricos é uma preocupação global, particularmente relevante no Brasil, onde a disponibilidade de água é vital para o desenvolvimento socioeconômico e a preservação ambiental. A Lei 9.433/97, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, estabeleceu a cobrança pelo uso da água como um instrumento fundamental para promover a sustentabilidade e equidade na gestão dos recursos hídricos. No entanto, mesmo após mais de duas décadas de sua vigência, muitas regiões brasileiras enfrentam desafios significativos na implementação efetiva dessa medida. A falta de cobrança pelo uso da água compromete a capacidade de financiamento para a conservação e recuperação dos mananciais e pode incentivar práticas de uso irresponsável, colocando em risco a segurança hídrica a longo prazo.
Neste contexto, este artigo analisa a importância do instituto da cobrança pelo uso da água previsto na Lei 9.433/97, averiguando o estágio atual de implementação deste instrumento nas bacias hidrográficas do Rio Grande do Sul. Sugere-se como hipótese que a cobrança pelo uso da água ainda possui implementação limitada, restringindo as possibilidades de atuação dos Comitês de Bacia na implementação de políticas públicas de proteção dos recursos hídricos.
Metodologicamente, realizou-se uma revisão bibliográfica com levantamento e análise de estudos, documentos governamentais, relatórios técnicos e legislação relacionada à gestão dos recursos hídricos por meio de documentos, disponibilizados pelos Comitês de Bacias e pela Secretaria Estadual de Recursos Hídricos do Rio Grande do Sul, visando contribuir para a compreensão do estágio atual da implementação da cobrança pelo uso da água no Rio Grande do Sul e, assim, oferecer subsídios para o aprimoramento das políticas de gestão de recursos hídricos no estado e no país.
Em síntese, a gestão dos recursos hídricos no Brasil enfrenta desafios complexos, mas também oferece oportunidades para promover a sustentabilidade hídrica e garantir o acesso universal à água. A cooperação entre governo, sociedade civil, setor privado e comunidades locais é essencial para desenvolver soluções inovadoras e integradas que assegurem a proteção e o uso sustentável dos recursos hídricos do país.
A cobrança pelo uso da água, prevista na Política Nacional de Recursos Hídricos, é uma importante ferramenta nesse contexto. Ao instituir um mecanismo de natureza econômica, a Lei 9.433/97 visa promover a justiça social, reconhecendo que o uso privado de um bem comum exige uma compensação à coletividade e muito, além disso, necessita de entendimento com relação à ferramenta, seu fundamento e o atual estado de conservação hídrica das bacias.
2. A Valoração Econômica dos Recursos Hídricos: O Papel da Cobrança pelo Uso da Água na Política Ambiental — em análise as bacias do Estado do Rio Grande do Sul
No âmbito do Direito Ambiental e Econômico, muitas são as tentativas de incorporar debates sobre o uso da água, oferecendo respostas variadas, das mais modestas às mais ambiciosas. O direito econômico dialoga com a economia ecológica, tentando formular propostas concretas para a inclusão de elementos ambientais na tomada de decisões (Nusdeo, 2018, p.13).
Considerando a necessidade de reconhecer os limites biofísicos e avançar em direção a uma economia e organização social mais harmônicas com o meio ambiente, é crucial analisar as estratégias jurídicas existentes, essas estratégias se estruturam a partir de diferentes abordagens, destacando-se os instrumentos de comando e controle, que estabelecem comportamentos obrigatórios para limitar a poluição e proteger espaços territoriais específicos.
Para avançar em um modelo econômico menos conflitante com o meio ambiente e que promova a equidade na distribuição dos ônus e benefícios da proteção ambiental, são necessários instrumentos econômicos que incentivem a alteração dos padrões de produção e consumo. No Brasil, a evolução das normas ambientais inicialmente privilegiou instrumentos de comando e controle.
Contudo, e apesar de muitas críticas, a inserção de instrumentos econômicos nas políticas ambientais vem oferecendo uma alocação mais eficiente dos recursos, promovendo o uso sustentável e evitando a degradação ambiental. Além disso, a geração de receitas através da cobrança pelo uso da água pode financiar programas de conservação e recuperação ambiental, reduzindo a dependência de recursos públicos e promovendo a autossustentabilidade dos sistemas de gestão hídrica.
A cobrança pelo uso da água visa internalizar os custos ambientais associados à exploração dos recursos hídricos, incentivando práticas sustentáveis e o uso racional da água. Este mecanismo gera receitas para financiar a gestão hídrica local e promove a conscientização sobre a escassez e o valor deste recurso. A Lei 9.433/97, em seu artigo 19, estabelece que a cobrança pelo uso da água reconhece-a como um bem econômico, incentivando a racionalização do uso e obtendo recursos para financiar programas de manutenção da qualidade ambiental.
A efetiva implementação da cobrança pelo uso da água e de outros instrumentos econômicos requer uma abordagem integrada e participativa, envolvendo diferentes setores da sociedade. É essencial garantir transparência, equidade e efetividade na distribuição dos recursos arrecadados e na definição das políticas de gestão hídrica. A cobrança pelo uso da água, fundamentada nos princípios do poluidor-pagador e do usuário-pagador, permite a internalização de externalidades associadas aos diversos usos da água, incentivando o uso eficiente e racional (Almeida, 2022, p.41).
Além da cobrança pelo uso da água, outros instrumentos econômicos, como pagamentos por serviços ambientais e incentivos fiscais para práticas sustentáveis, desempenham papel importante na política ambiental brasileira. Esses instrumentos incentivam a conservação dos recursos naturais e a preservação dos serviços ecossistêmicos, como a regulação do clima, a conservação da biodiversidade e a proteção dos recursos hídricos.
Finalmente, a análise das bacias hidrográficas do Rio Grande do Sul revela o estágio de aplicação dos instrumentos econômicos pelos Comitês de Bacia. O estudo identifica quais comitês tiveram sucesso na implementação, quais estão em fase de simulação e quais ainda não possuem informações sobre a aplicabilidade desses instrumentos.
O Estado do Rio Grande do Sul possui vinte e cinco bacias hidrográficas, distribuídas em três regiões hidrográficas. No site da Secretaria Estadual de Recursos Hídricos, encontram-se informações detalhadas sobre os Comitês de Bacia. Uma análise individual dos dados e documentos de cada comitê revela distintos níveis de maturidade na implementação dos Planos de Bacia Hidrográfica. Por exemplo, o Comitê da Bacia da Lagoa Mirim e do Canal São Gonçalo ainda não aprovou seu plano de bacia, não havendo discussões consolidadas sobre o enquadramento do uso das águas ou a cobrança pelo seu uso (SEMA, 2024).
A diversidade no nível de institucionalização dos Comitês de Bacia também se reflete na quantidade de informação disponibilizada. Apesar do Sistema Estadual de Recursos Hídricos (SERH) manter um sistema de informações robusto, alguns sites específicos dos comitês estão desatualizados, como o do Comitê de Gerenciamento da Bacia do Rio Caí, que não é atualizado desde 2013 (SEMA,2024).
A simulação da cobrança pelo uso da água é uma etapa crucial no processo de implementação desse instrumento, exigindo procedimentos técnicos e institucionais complexos e envolvendo diferentes atores. As instituições responsáveis pela gestão dos recursos hídricos desempenham um papel fundamental na condução da simulação da cobrança pelo uso da água. Cabe a essas instituições coordenar as atividades relacionadas, promover a integração entre os diferentes atores envolvidos e assegurar a conformidade com a legislação e normas aplicáveis. Portanto, o processo deve ser conduzido de forma cuidadosa e participativa, considerando os interesses e necessidades das diferentes partes interessadas e buscando equilibrar os aspectos econômicos, sociais e ambientais da gestão dos recursos hídricos.
A simulação da aplicação da cobrança pelo uso da água em bacias hidrográficas do Rio Grande do Sul representa um passo importante na busca pela gestão sustentável dos recursos hídricos. A identificação das bacias hidrográficas sujeitas à cobrança pelo uso da água é fundamental para desenvolver estratégias eficazes de gestão (SEMA, 2024). No entanto, a falta de transparência nos processos de gestão e na divulgação de informações dificulta o acesso aos dados necessários.
Superar esses desafios é essencial para garantir a sustentabilidade e disponibilidade dos recursos hídricos no estado e promover o desenvolvimento socioeconômico de forma equitativa e responsável. Das vinte e cinco bacias hidrográficas do Rio Grande do Sul, apenas uma obteve êxito na aprovação do instrumento de cobrança, como reportado pelo Comitê de Bacia do Rio dos Sinos em março de 2024 (Bassôa, 2024).
Cada Comitê de Bacia possui uma dinâmica própria de interação entre os atores políticos regionais. A operacionalização de novos mecanismos econômicos pode gerar receios entre os representantes dos segmentos produtivos, especialmente aqueles ligados à irrigação agrícola. A adoção de uma estratégia de cobrança gradual pode ser conveniente para convencer os segmentos envolvidos no processo deliberativo.
Apesar de mais de 30 anos desde a aprovação da Política Nacional de Recursos Hídricos, a recente aprovação da cobrança pelo uso da água pode iniciar um processo de difusão do instrumento por outras bacias hidrográficas, consolidando uma estratégia econômica de proteção ambiental alinhada ao princípio do usuário-pagador. Os recursos obtidos podem fomentar uma cultura de pagamento por serviços ambientais, financiada pelos próprios comitês de bacia.
Considerações Finais
Este estudo tem em vista contribuir para o debate sobre a gestão dos recursos hídricos no Brasil, destacando os desafios e oportunidades para promover a sustentabilidade ambiental e garantir o acesso equitativo à água. Os recursos hídricos são fundamentais para a vida em nosso planeta, desempenhando papéis vitais em diversas áreas, como agricultura, indústria e saúde. No entanto, esses recursos enfrentam desafios crescentes devido ao crescimento populacional, urbanização desordenada, mudanças climáticas e degradação ambiental.
Para garantir um futuro sustentável, é crucial adotar uma abordagem integrada e sustentável para sua gestão, promovendo a conservação, proteção e recuperação dos ecossistemas aquáticos, bem como o uso eficiente da água em todos os setores. No Brasil, a gestão dos recursos hídricos é de extrema importância devido à vasta extensão territorial e diversidade climática do país. No entanto, enfrenta desafios significativos, como a distribuição desigual de água, má gestão e uso inadequado, e a necessidade de uma gestão integrada em um território de dimensões continentais. Apesar desses desafios, existem oportunidades para aprimorar a gestão por meio de conscientização, acesso à informação, investimentos em infraestrutura e participação pública.
A Política Nacional de Recursos Hídricos estabeleceu, entre seus instrumentos, a cobrança pelo uso da água, visando internalizar os custos ambientais associados à exploração dos recursos hídricos, incentivando práticas sustentáveis e o uso racional. Esta cobrança não se confunde com um imposto ou penalidade administrativa, mas sim com uma remuneração devida pela utilização de um bem difuso, seja por entes públicos ou privados.
No contexto das bacias hidrográficas do Estado do Rio Grande do Sul, constata-se que, das vinte e cinco bacias, apenas uma aprovou a cobrança pelo uso da água através do seu Comitê Gestor, especificamente o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos, em março de 2024. É relevante notar que, segundo notícias jornalísticas, o Comitê de Bacia do Rio Gravataí também teria aprovado a cobrança em dezembro de 2023, embora seu site institucional careça de informações oficiais.
Este fato demonstra um déficit de institucionalização do instrumento, provocado, possivelmente, pela resistência de certos segmentos da sociedade civil representados nos Comitês de Bacia. A percepção de que a cobrança pelo uso da água constitui um novo custo produtivo, inibidor do desenvolvimento econômico, influencia a dinâmica deliberativa nos Comitês de Bacia.
A ausência de cobrança pelo uso da água representa a perda de uma oportunidade significativa de operacionalizar o princípio do usuário-pagador, o que poderia gerar receitas orçamentárias promissoras para a governança e implementação de estratégias de proteção dos recursos hídricos em uma determinada bacia. No que consiste a implementação eficaz da cobrança pelo uso da água é, portanto, essencial para avançar na gestão sustentável dos recursos hídricos, promovendo um desenvolvimento socioeconômico equilibrado e responsável.
Referências:
ALMEIDA, Maria Clara Lucena Dutra de. A cobrança pelo uso da Água como instrumento de gestão de Recursos Hídricos. São Paulo: Editora Dialética, 2022.
BRASIL. Lei n.º 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Diário Oficial da União, Brasília–DF, 9 jan. 1997. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9433.htm. Acesso em: 09 de jun. 2022.
BASSÔA, Fernanda. Cobrança pelo Uso da Água avança e ganhos com a implementação de instrumentos de gestão hídrica são observados no Rio dos Sinos e no Gravataí. Disponível em: https://www.correiodopovo.com.br/not%C3%ADcias/cidades/cobran%C3%A7a-pelo-uso-da- %C3%A1gua-avan%C3%A7a-e-ganhos-com-a-implementa%C3%A7%C3%A3o-deinstrumentos-de-gest%C3%A3o-h%C3%ADdrica-s%C3%A3o-observados-no-rio-dos-sinose-no-gravata%C3%AD-1.1455901. Acesso em: 27 abr. 2024.
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Secretaria Estadual do Meio Ambiente. Dados Gerais das Bacias do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em: https://sema.rs.gov.br/bacias-hidrograficas. Acesso em: 03 de jan. 2024.
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Secretaria Estadual do Meio Ambiente. R03 — Síntese da Situação Atual dos Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio dos sinos. Disponível em: https://sema.rs.gov.br/g020-bh-sinos. Acesso em: 03 de jan. 2024
NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Direito Ambiental & Economia. Curitiba: Juruá, 2018.
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