Ligia Payão Chizolini
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e o Centro Nacional de Monitoramento e Desastres Naturais (CEMADEN) divulgaram nota técnica alarmante sobre um novo estudo feito em conjunto. Segundo a nota, o Brasil possui ineditamente uma área de clima árido, que se assemelha a condição típica dos desertos. (INPE, CEMADEN, 2023).
O estudo levou em consideração uma base de dados diários do período compreendido entre 01 de janeiro de 1961 até 31 de julho de 2020 e revelou uma transformação do clima no centro norte da Bahia, onde vez foi encontrado pela primeira no Brasil o clima árido, em uma área correspondente a mais de 5.000 quilômetros quadrados. A conclusão foi apreendida do cálculo do índice de aridez, que leva em consideração o padrão de chuvas da região e a evapotranspiração ocorrida no local, ou seja, a quantidade de água que foi devolvida para a atmosfera.
O valor obtido por meio do cálculo serve para demarcar as distintas zonas climáticas. Nesse contexto, um índice de aridez (IA) até 0,2 é classificado como árido, enquanto 0,5 caracteriza uma região semiárida. Já acima de 0,65, há a classificação do clima como subúmido seco. Assim, quanto menor o número, mais seca a região, sendo possível visualizar no mapa apresentado pela nota técnica a delimitação da área desértica, destacada pela linha vermelho escuro que corresponde ao limiar de aridez (IA) de 0,20:
O Semiárido é marcado por altas temperaturas e chuvas escassas, que se concentram em apenas em alguns poucos meses. O bioma que prevalece nesse clima é o da caatinga, caracterizado por vegetação de pequeno e médio porte. Por sua vez, o clima árido apresenta falta crônica e permanente de umidade no clima, possuindo vegetação com predominância de cactáceas, família botânica a que pertencem os cactos.
A desertificação do centro norte da Bahia é resultado das mudanças climáticas provocadas por processos antrópicos e revela como o problema ambiental já está afetando as populações mais vulneráveis. A mudança entre os perfis climáticos aumenta a deficiência hídrica da região afetada e diminui a disponibilidade de água para o consumo humano e animal, além de afetar as atividades produtivas do território. (Angelotti, 2009).
Com a desertificação também é possível verificar uma maior frequência de eventos extremos, tais como chuvas torrenciais e secas ainda mais severas, expondo a localidade a recorrentes calamidades climáticas.
Em uma entrevista conduzida por Natuza Nery, Fábio dos Santos Paiva, presidente da Associação de Agricultores do Frade do município de Curaçá, um dos municípios localizados na nova região árida, compartilhou preocupações acerca da escassez hídrica que assola a região. Ele destacou a urgência da situação, mencionando que os residentes rurais se veem obrigados a percorrer até 50 quilômetros em busca de água nos rios locais. Além disso, a comunidade enfrenta a necessidade de adquirir regularmente serviços de carros-pipa, impactando suas rendas pessoais (Nery, 2024).
A diminuição da disponibilidade de água e aumento da seca ainda impõe desafios na produção agrícola familiar e têm impactos significativos na oferta de alimentos em regiões já afetadas por problemas alimentares, ameaçando não apenas a qualidade de vida, mas também a própria sobrevivência da comunidade local. (Sudene, 2021).
Nesse contexto, importante ressaltar que a alta velocidade em que estão ocorrendo as mudanças climáticas impedem que ocorra a devida adaptação da vida local ao novo clima, impondo ainda maior sofrimento a população e castigando fauna e flora regionais. Como consequência, é possível esperar um êxodo populacional da área, agravando ainda mais problemas de densidade populacional nos grandes centros urbanos, provocando um efeito cascata de tensões em outras partes do território nacional.
Além disso, é importante ressaltar que o estudo do INPE e da CEMADEN não apenas identificou a presença da zona árida no Brasil, mas também constatou um aumento geral da aridez em todo o país, exceto na região sul. Destaca-se a expansão das áreas semiáridas em 75 mil quilômetros quadrados por década, ressaltando que o problema climático não é restrito a uma localização e poderá afetar toda a população nacional. No mapa seguinte é possível observar esse aumento gradual do semiárido durante as décadas, A área demarcada em amarelo representa a delimitação do semiárido no início do período analisado, enquanto a área destacada em vermelho representa a extensão correspondente em 2020:
Essa rápida alteração do clima e a consequente modificação dos biomas, resulta em prejuízos de safras e criação de animais em várias partes do território brasileiro, reduzindo a sua produção e causando o aumento de preços de toda cadeia de consumo brasileira.
Diante do exposto, torna-se evidente a extrema gravidade dos impactos da mudança climática no cenário climático brasileiro, que se reflete diretamente na disponibilidade de água em regiões do país já especialmente vulneráveis, afetando a pecuária, agricultura e a vida de milhares de pessoas. Nesse cenário, é importante que se intensifiquem as ações que mitiguem o aquecimento global, com a diminuição urgente dos gases de efeito estufa e também, que seja feita a devida adaptação climática aos problemas já existentes e que devem se intensificar nos próximos anos.
Referências
INPE. CEMADEN. Nota técnica: elaboração dos mapas de índice de aridez e precipitação total acumulada para o Brasil. 14.11.2023. Disponível em: 02semiaridorelatorionv.pdf (www.gov.br) Acesso em: 29.01.2024.
ANGELOTTI, Francislene et al, Mudanças climáticas e desertificação no semi-árido brasileiro. Editora Embrapa, 2009.
CLIMA ÁRIDO PELA PRIMEIRA VEZ NO BRASIL. Reporter: Natuza Nery. G1, 29/01/2024. Podcast O Assunto. Disponível em: https://g1.globo.com/podcast/o-assunto/noticia/2024/01/29/o-assunto-1138-clima-arido-pela-primeira-vez-no-brasil.ghtml
SUPERINTEDÊNCIA DO DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE (SUDENE.) Delimitação do semiárido. Recife. 2021. Disponível em: https://www.gov.br/sudene/pt-br/centrais-de-conteudo/02semiaridorelatorionv.pdf Acesso em: 29.01.2024.
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