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De quem é o custo do direito a desenvolver-se sustentavelmente?

Maria Eduarda Ardinghi Brollo*


O Desenvolvimento Sustentável[1] não é um conceito novo. Muito pelo contrário, desde o Relatório de Brundtland[2] é alvo de discussões na comunidade internacional, e se encontra, atualmente, encapsulado na denominada Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU). Desenvolvimento, em si, é um termo já abordado nos documentos das Nações Unidas. A Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento de 1986[3] colocou em foco as pulsões que podem insurgir da noção muito abordada do Direito ao Desenvolvimento, e, mais especificamente, do Direito ao Desenvolvimento Internacional.


Entre Sengupta[4] e Amrtya Sen[5], o Direito ao Desenvolvimento Internacional teve seu caminhar amplamente relacionado aos direitos humanos, adquirindo, por um lado, um caráter processual e, por outro, uma relação indissociável com a ampliação das capacidades individuais. Assim, o Direito ao Desenvolvimento Internaiconal foi se construindo teórica e normativamente, e, ainda que varie de corrente para corrente, tem como elemento constante a noção de que o direito a se desenvolver apenas ocorre se, na busca pelo desenvolvimento, se dê uma manutenção dos direitos humanos e da dignidade humana.


Além disso, outro tópico interessante e comum aos documentos acerca do Direito ao Desenvolvimento no plano internacional é o reconhecimento da necessidade de cooperação entre países do que pode ser denominado “Norte” e “Sul” globais[6]. No entanto, essa cooperação assume, diametralmente oposta à obrigação jurídica de cumprimento dos direitos humanos, um compromisso meramente moral, não se constituindo como um dever jurídico plenamente reconhecido - característica essa já criticada por Peter Uvin[7]. Nesse sentido, se em algum momento desenvolver-se se constitui como direito, na Era do Antropoceno[8], desenvolver-se sustentavelmente passa a figurar como um dos direitos mais relevantes para manutenção dos demais direitos humanos.


Agora, o que significa um direito a desenvolver-se sustentavelmente? Stephen Holmes e Cass Sunstein[9] já abordaram que um direito significa um custo, desconstruindo a teoria tradicional que dividia direitos de primeira e segunda geração ou dimensão como aqueles que, respectivamente, não precisam e os que obrigam a uma prestação positiva. Para tanto, apontam como os impostos e todo o sistema financeiro-orçamentário garantem a liberdade, custeando, por exemplo, o sistema carcerário e de justiça.


O custo dos direitos, no entanto, não necessariamente implica em uma instantânea tradução financeira. Direitos custam, por excelência, porque são frutos de escolhas. Escolhas sobre o que é um direito e o que não é. Escolhas sobre quem são sujeitos desses direitos. Escolhas linguísticas na sua construção e aplicação.

E se desenvolvimento sustentável é um direito, e se os direitos custam, quem paga o custo de desenvolver-se sustentavelmente?


Inicialmente, faz-se necessário retroagir ao desenvolvimento de Amartya Sen. Ora, como acomodar um direito à ampliação das capacidades individuais e o direito ao desenvolvimento sustentável, que, em sua essência, implicaria no direcionamento obrigatório (limitação condicional) dos recursos na manutenção das sustentabilidades ambientais e sociais?


Ao longo da história das sociedades no sistema capitalista, o desenvolvimento, a colonização e a industrialização caminharam de mãos dadas na construção de uma narrativa do que significa se desenvolver. Países no Norte Global e suas economias se desenvolveram através da produção e comércio de produtos de maior valor agregado - os industrializados - e, para tanto, os países do Sul comercializam matérias-primas (produtos de baixo valor agregado) e mão-de-obra (inclusive escravizada)[10]. Vale lembrar que o estado drástico da bio e da tecnosfera, além do aquecimento global no qual nos encontramos, se relacionam diretamente com a emissão de gases de efeito estufa, principal consequência da atividade industrial fabril.


Assim, toda a “cartilha” de cariz Norte Global de como se desenvolver é incompatível com a plena realização do Desenvolvimento Sustentável como Direito ao Desenvolvimento. Ocorre, no entanto, que as economias do Norte são plenas e (por que não?) economicamente capazes de ampliar as capacidades dos indivíduos de suas populações limitando seus processos produtivos. Porém, as prioridades são outras no Sul e, ainda assim, o compromisso internacional é o mesmo.


Agora como desenvolver-se plenamente sem equidade?

E mais importante, de quem tem sido o custo desse desenvolvimento sustentável?


* Mestranda em Direito no Programa de Pós-graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) em parceria com o Centro Paulista de Estudos da Transição Energética (CPTEn), com estudos na área de transição energética e parcerias multissetoriais. Pós-graduanda em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Participou da criação, estruturação e implementação do Hub Internacional para Desenvolvimento Sustentável (HIDS) no time de estratégia jurídica. Advogada.


Notas:

[1] “In essence, sustainable development is a process of change in which the exploitation of resources, the direction of investments, the orientation of technological development; andinstitutional change are all in harmony and enhance both current and future potential to meethuman needs and aspirations”. (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO: NOSSO FUTURO COMUM. Rio de Janeiro: FGV, 1988.) [2] COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO: NOSSO FUTURO COMUM. Rio de Janeiro: FGV, 1988. [3] Declaration on the Right to Development .UN, 1986. Disponível em: https://www.ohchr.org/en/instruments-mechanisms/instruments/declaration-right-development. Acesso em: 02 de maio de 2023. [4] SENGUPTA, Arjun. Realizing the Right to Development. Development and Change, vol. 31, p. 553-578, dez. 2000. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/1467-7660.00167. Acesso em: 02 de maio de 2023. [5] SEN, A. K. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. [6] NWAUCHE, E. S.; NWOBIKE, J. C. Implementação do direito ao desenvolvimento. Sur, Rev. int. direitos human., v. 2, n. 2, 2005, p. 96-117. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sur/a/YLgXtZYbGQ9LhRVrnXZ7Dmc/?lang=pt#. Acesso em: 02 de maio de 2023 e PRADO, D.; MASTRODI, J.; CASALINO, V. Direito ao desenvolvimento como direito humano incondicional: crítica ao pacto de desenvolvimento de Arjun Sengupta. Direito e Desenvolvimento, v. 13, n. 1, p. 123-139, 28 julho de 2022. Disponível em: https://periodicos.unipe.br/index.php/direitoedesenvolvimento/article/view/1480. Acesso em: 02 de maio de 2023. [7] UVIN, P. (2007). From the Right to Development to the Rights-Based Approach: How “Human Rights” Entered Development. Development in Practice, v. 17, n. 4-5 , p. 597-606, agosto de 2007. Disponível em: 17(4/5), 597–606. http://www.jstor.org/stable/25548258. Acesso em: 02 de maio de 2023. [8] Um glossário para o Antropoceno. UNESCO, 2018. Disponível em: https://pt.unesco.org/courier/2018-2/um-glossario-o-antropoceno. Acesso em: 02 de maio de 2023. [9] HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass. The Cost of Rights: Why Liberty Depends on Taxes. New York-London: W. W. Norton & Company, 1999. [10] WALLERSTEIN, Immanuel. European Unversalism: The Rhetoric of Power, New York: The New Press, 2006.

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