Francieli Iung Izolani
O Rio Grande do Sul enfrenta uma crise humanitária sem precedentes devido às precipitações intensas que atingem o Estado. Nas últimas semanas, as chuvas intensas têm causado inundações generalizadas, excedendo às expectativas, apontando para inúmeras falhas de infraestrutura e de planejamento urbano, o que resultou em danos materiais significativos, deslocamentos dos chamados refugiados climáticos, danos socioeconômicos, danos à saúde coletiva e, consequentemente, trazendo sérios desafios em termos de segurança alimentar.
A região Sul, historicamente, é a região onde os índices de insegurança alimentar em todos os níveis, leve, moderada e grave, são menores ao longo da série histórica, consoante dados do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, entretanto, a partir do atual evento climático, as enchentes mudam drasticamente esse cenário (ABRASCO, 2024).
O que é segurança alimentar?
De acordo com o ordenamento jurídico em consonância com o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA, 2004, p. 4),
Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) é a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis.
Portanto, envolve a questão não só quantitativa como a qualitativa também, haja vista que os alimentos devem estar disponíveis em quantidade e, além disso, atenderem à qualidade nutricional.
Qual era o cenário pré-enchentes no RS?
Embora o Brasil seja um dos maiores produtores de alimento do mundo, parcela significativa da população vive em situação de insegurança alimentar e nutricional, seja pela falta de acesso, associando-se à fome e à desnutrição, quanto pela má alimentação, devido ao consumo de alimentos pobres em valor nutricional, bem como à forma de produção com a utilização de agrotóxicos.
Antes das enchentes, em que pese o RS ser um Estado agrícola e que produz (produzia) monoculturas à exportação, as commodities, grãos e carnes, ainda assim, contava com índice reduzido de insegurança alimentar, graças à existência/resistência da agricultura familiar, como política de SAN bastante evidente.
A agricultura familiar promove pilares de uma agricultura economicamente sustentável, com crescente equidade e inclusão social, pois estimula a produção diversificada e amplia a capacidade de consumo de alimentos e de outros bens pelas famílias rurais (CONSEA, 2004).
Dada relevância guarda comprovação no panorama abaixo:
De um total aproximado de 4,8 milhões de estabelecimentos rurais no Brasil, 4,1 milhões são classificados como unidades familiares. Eles representam cerca de 85% dos estabelecimentos, porém, ocupam apenas 30% da área total e respondem por quase 40% da produção agropecuária nacional (CONSEA, 2004, p. 24)
Trazendo-se dados relativos ao RS, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (FETAG-RS) destaca os obtidos com o último Censo Agropecuário, realizado no ano de 2017 e divulgado em 2019, que:
No Rio Grande do Sul, 80,5% dos estabelecimentos foram considerados como de agricultura familiar, detendo 25,3% de toda a área cultivada. O estudo também aponta que a faixa etária de pessoas que vivem no campo é alta, e que o número de jovens está diminuindo, representando um problema para a sucessão rural.
(...)
Para a FETAG-RS o Censo Agropecuário 2017 demonstra, em números, o grande papel que a agricultura familiar desempenha na produção de alimentos no Brasil. No Rio Grande do Sul 80% dos estabelecimentos são da agricultura familiar. Também entendemos que os governos precisam considerar e valorizar a importância da nossa categoria, investindo cada vez mais em políticas públicas incentivem a produção.
Ademais, segundo dados de 2021 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o RS representa a quarta maior economia do país, correspondendo a 6,5% da economia do país, representando 12,6% do PIB agrícola e 8,3% do PIB da indústria de transformação, gerando R$ 581,3 bilhões (PODER 360, 2024).
Portanto, havia um cenário de prosperidade com relação à implementação de políticas públicas voltadas à segurança alimentar frente ao destaque na agricultura familiar.
E o pós-enchentes no RS?
Ainda não há dados concretos oficiais sobre os impactos na segurança alimentar. Primeiramente, porque algumas localidades ainda estão submersas. Segundo, porque muitas instituições estão com seus sistemas desligados, pessoal atingidos em grande magnitude e estradas, cidades inteiras destruídas.
Todavia, é possível dimensionar empiricamente os impactos a curto e a médio e longo prazo. A curto prazo estão a escassez de alimentos, a alta nos preços dos produtos e a falta de demais condições sociais mínimas à população, fazendo-se precário o próprio elemento quantitativo da segurança alimentar.
A médio e longo prazo, com as perdas das lavouras, haverá outros problemas relacionados ao desabastecimento de produtos da agricultura familiar e à própria subsistência dessas pessoas, acarretando um aumento na insegurança alimentar quali-quantitativa no Estado, demandando o implemento e a robustez de políticas públicas locais frente aos impactos de cunho nacional e internacional que ainda serão sentidos.
REFERÊNCIAS
Associação Brasileira de Saúde Coletiva - ABRASCO. Enchentes no Rio Grande do Sul e os desafios para a Saúde Pública: crise, insegurança alimentar e violência. Disponível em: https://abrasco.org.br/enchentes-no-rio-grande-do-sul-desafios-para-a-saude-publica-em-meio-a-catastrofe/. Acesso em: 15 maio 2024.
CONSELHO NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL – CONSEA. Princípios e Diretrizes de uma Política de Segurança Alimentar e Nutricional. Textos de Referência da II Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Brasília: Gráfica e Editora Positiva, 2004.
PODER 360. Chuva no RS desacelera a economia e pressiona inflação de alimentos. 2024. Disponível em: https://www.poder360.com.br/economia/chuva-no-rs-desacelera-a-economia-e-pressiona-inflacao-de-alimentos/. Acesso em: 15 maio 2024.
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