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Ansiedade climática como uma resposta aos desastres ambientais e os fatores sociais correlatos

Henrique de Jesus dos Santos 

 

“Quando você sentir que o céu está ficando muito baixo, é só empurrá-lo e respirar.” - Ailton krenak

 

Ter um estilo de vida sustentável é um caminho atrativo até o momento em que o indivíduo não possui meios para se sustentar. Nos últimos anos a cultura de sustentabilidade advinda dos conceitos de um capitalismo verde tem ganhado cada vez mais influência, alimentando uma noção de que quanto mais produtos “verdes” você compra, maior é a sua contribuição para o meio ambiente. Contudo o problema nasce quando pessoas incapazes de alimentar esse mercado são culpadas pelos danos causados no mundo natural, incutindo em suas mentes um sentimento de incapacidade e vergonha, devido a incertezas internas e limitações para agir.

 

Os termos ansiedade climática ou eco-ansiedade têm ampliado o seu escopo, a partir do aumento exponencial dos desastres climáticas, consequência de ser uma resposta psicológica e não apenas um termo ambiental para se ter em mente. A título de exemplo, no ano de 2023, diversos países, incluindo o Brasil, passaram por diversas catástrofes. Nova Iorque ficou coberta de fumaça por conta de queimadas no Canadá, houve altas temperaturas em vários estados brasileiros, assim como cidades alagadas por conta de inundações fatais. A cada dia que se passa o número de vítimas por desastres ambientais aumenta. Do mesmo modo, o risco de ultrapassar tipping points é cada vez mais inevitável, tornando o termo solastalgia uma realidade constante.

 

O termo solastalgia foi criado pelo filósofo ambientalista Glenn Albrecht, no ano de 2003, sob o propósito de expressar a perda ou a possibilidade de perder o próprio lar para situações trágicas provocadas por catástrofes e cenários de completa destruição. Um sentimento de desespero e temor do que o futuro pode trazer. “Solastalgia refers to the lived experience of distress caused by the loss of value and the desolation of one's home environment”(Albrecht, 2019). Como resultado, temos a constante presença de questionamentos diante da segurança e preservação do planeta para futuras gerações, dúvidas sobre a possibilidade da Terra ainda ser habitável ou no mínimo sustentável para se estabelecer  moradia e prover alimento, o quão compensador pode ser lutar por algo que parece não ter mais volta.

 

Ao contrário do sentido de nostalgia, solastalgia é viver ou esperar por algo desolador, acreditar que está tarde demais por crer não haver outras opções, se permitir viver em niilismo diante da possibilidade de não ter mais um lar, enquanto ainda não ocorreu o flagelo. “Furthermore, solastalgia is defined as a form of homesickness experienced when one is still at home yet is affected by the destruction of one's home environment” (Albrecht, 2019). Ou como em muitos casos, apenas escolher ignorar as mudanças climáticas por ser mais fácil tentar esquecer  o caos circundante.

 

À vista disso, torna-se relevante ressaltar como um erro evidente o ato de muitos líderes climáticos e políticos de buscar soluções para uma crise pública com questionamentos generalistas, enxergar o problema e buscar meios para solucionar sem considerar os efeitos no corpo social de forma individual a cada pessoa, ao invés de perguntar quantos gastos serão necessários, é importante considerar como os desastres ambientais afetam a população. De acordo com o trabalho da pesquisadora e professora de psicologia e estudos ambientais Susan Clayton, períodos de seca, altas temperaturas, queimadas e inundações possui não apenas consequências trágicas aos locais afetados, como também, um crescimento considerável na taxa de suicídios e pessoas com depressão. Em momentos de crise pensar apenas em números e custos, não irá contribuir para o desenvolvimento de soluções efetivas para todos. 

 

Contudo,  isso se torna  inevitável diante de uma cultura capitalista e impessoal, baseada na ideologia, que para se posicionar e advogar diante das mudanças climáticas é necessário ter um estilo de vida perfeito, em uma sociedade que o sistema compele e prende a massa populacional em comportamentos consumistas, estratificados culturalmente como necessidades, trazendo estilos de vida que apenas pioram a situação sob o disfarce de serem sustentáveis e lucrativos para a economia. Tomando como exemplo, um carro elétrico que ao ser inacessível às massas se torna mais um objeto divinizado por um sistema capitalista, retroalimentando o próprio elitismo, do que um meio de alcançar a sustentabilidade.

 

A mídia e o mercado servem à burguesia e ao dono do latifúndio, se esse percebe poder lucrar com o medo e o pânico, logo, a ansiedade ambiental poderá se tornar uma possível ferramenta de controle de massas ou mercadoria.

 

Dessa maneira, acaba como normalidade apenas seguir a vida e fazer o que lhes é direcionados a fazer, por não saber como agir e não ter condições para tal. Perder o lar e ser marginalizado, sucumbir a angústia por não ter segurança, ser alvo de racismo, violência contra a mulher, e pobreza, bem como as mudanças climáticas são problemas que não apenas advêm do meio ambiente, mas também são um caso social, causado por erros enraizados na estrutura social ao serem praticados por grupos pequenos de pessoas da elite. Afetando não apenas às condições socioeconômicas, mas a saúde mental das vítimas. De acordo com Susan Clayton:  

 

Climate change is also a social problem. The anxiety that characterizes some people's response to climate change is structured in part by the way in which society is addressing, or not addressing the problem. Interventions to protect individual mental health are unlikely to be fully effective in the absence of societal, or even global, attention to the issue. As with other social issues that affect mental health, such as sexism, racism, and poverty, we must find a way to respond to individual problems without losing sight of the social consequences – to talk about climate anxiety as a psychological experience without implying that the causes, and appropriate responses, are intrapsychic (Clayton, 2020)

 

Observando por um viés lógico, é válido considerar como os maiores afetados da Eco-ansiedade, pessoas que estão constantemente engajadas no tema das mudanças climáticas, por possuírem contato diário com tudo que está acontecendo, e devido a imprevisibilidade  dos acontecimentos e a incapacidade de controlar o ambiente, se encontram perdidas sem saber o que fazer. Em face disso, é fulcral a necessidade de centros de apoio e pessoas para conversar a respeito, desenvolver uma resposta funcional à crise iminente, transformar os sentimentos negativos em  ação.

 

….É a angústia que gera a potência para sair do lugar de apatia, de melancolia, e colocar as pessoas em movimento. A angústia é pura potência. Mostra que a gente precisa transformar o que nos acontece de ruim para que vire outra coisa. A angústia surge nesse encontro com o real. O real é a pandemia, as mudanças climáticas, as consequências, a guerra. Não tem como fugir disso. O que a gente faz quando isso acontece? Ou ficamos no sofrimento, ou transformamos o sentimento (Um só planeta, 2022) .

 

O engajamento com ONGs e projetos ambientais contribuem para o sentimento de estar fazendo alguma diferença, participando de algo importante ao colocar em prática uma forma de colaboração. Porém deve-se ter em mente que mudanças não são atingidas através de ações individuais, mas sim modificações de caráter sistemático estrutural e de ampla abrangência para diversas facetas da questão.

 

O movimento eco-feminista apesar de sua clara importância e profundidade possui lacunas que precisam ser endereçadas, como o considerável foco empregado apenas às relações humanos-natureza, com diversos textos específicos na desigualdade de gênero, esquecendo de também abordar as diferenças de cor e classe dentro da população feminina. Mulheres pretas em comunidades e posições marginalizadas tendem a sofrer mais intensamente com desastres ambientais, tornando incompleta uma discussão que apenas tomou como referência para posicionamento uma única perspectiva de vida.

 

 Catástrofes climáticas não são neutras quando se concerne as consequências, pessoas em situações de alta pobreza ou forçadas a colocarem a si mesmas em posições de risco com imigrações de seus países natais, irão sem sombra de dúvidas sofrer mais intensamente.

 

Portanto, como humanidade devemos reconhecer nossos maus caminhos e agir com propósito de mitigar a dor e destruição causada na natureza e dentro do próprio corpo social, tomando responsabilidade diante problemáticas que duram a gerações sem uma solução efetiva. Ansiedade climática é um fruto de erros e descaso com a interdependência do ser humano e o mundo natural, nossa influência no planeta desde que se tornou algo com potencial de modificação tem provocado apenas caos em um ambiente que deveríamos manter e sobreviver a partir do mesmo. Ainda a tempo para mudar e direcionar o futuro a algo diferente, evitando o pior que pode acontecer.

 

Referências 

 

Albrecht G. Earth emotions: new words for a new world. Cornell Univ Press. (2019) 6:63–90.

 

Albrecht G. “Solastalgia”. A new concept in health and identity. Philos Activism Nat. (2005) 3:41–55.

 

Albrecht, Glenn A. "Negating Solastalgia: An Emotional Revolution from the Anthropocene to the Symbiocene." American Imago, vol. 77 no. 1, 2020, p. 9-30.

 

Clayton S. Climate anxiety: Psychological responses to climate change. J Anxiety Disord. 2020

 

Um só planeta. Ecoansiedade: entenda o que significa o termo solastalgia. 2022. Disponível em: https://umsoplaneta.globo.com/sociedade/noticia/2022/07/29/ecoansiedade-entenda-o-que-significa-o-termo-solastalgia.ghtml. Acesso em: 16 de fevereiro de 2024.

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