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A "Revolução Verde" e os Agrotóxicos: porque uma transição agroecológica é urgente e necessária

Francieli Iung Izolani

Leura Dalla Riva


Os agrotóxicos foram utilizados como armas químicas durante a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, com um deles tendo ficado mais famoso, o DDT, composto orgânico de diclorodifeniltricloroetano. Segundo Rachel Carson (1994, p. 17-18), desde que o DDT foi disponibilizado para o uso civil, cada vez mais materiais tóxicos são produzidos na guerra do homem contra a natureza para a matança de insetos, ervas daninhas e roedores, mas que, na verdade, têm o poder de silenciar a natureza, impregnando-se na água, no solo, nos alimentos, no organismo humano.


Das guerras mundiais, os agrotóxicos viraram cosméticos e, então, chegaram às lavouras, alcançando o Brasil, através da “Revolução Verde” , após a Segunda Guerra Mundial, quando o incentivo ao uso de agrotóxicos foi feito sob o argumento de constituir-se em grande avanço científico para o combate à fome, propiciando uma agricultura eficiente e produtiva (GRAFF, 2013, p. 38-39).


Cabe ressaltar ainda que, o DDT também chegou a ser considerado uma solução à saúde pública, tendo seu inventor sido recompensado com um Prêmio Nobel. Na atualidade, juntamente com outros venenos, implica em grandes custos socioambientais, principalmente ecológicos e de saúde, tendo sido banido dos países do Norte Social há muito, enquanto no Brasil, apenas o foi em 2009. O DDT, contudo, é apenas 1 entre diversos outros produtos que ainda são amplamente utilizados na agricultura mundial.


Os agrotóxicos foram introduzidos através da "Revolução Verde" como uma ferramenta tecnológica para solucionar os problemas da agricultura moderna, profundamente associada com o modelo de monoculturas. Esses sistemas de produção homogêneos se tornaram desde então profundamente dependentes de agrotóxicos e sementes transgênicas que “desintegram a estrutura da comunidade, desalojam as pessoas das diversas ocupações e tornam a produção dependente de insumos externos e mercados externos”, o que gera, por outro lado, vulnerabilidade e instabilidade política e econômica, tendo em vista que “a base da produção é ecologicamente instável e os mercados de bens são economicamente instáveis” (SHIVA, 2003, p. 99; DALLA RIVA, 2020).


Gladstone Leonel Júnior (2019, p. 47) salienta que a comercialização de sementes geneticamente modificadas está intimamente ligada à venda de agrotóxicos, ambos fornecidos pelas mesmas corporações (tais como Bayer, Syngenta, Basf, Dupont, Monsanto, Bunge, entre outras). Contrariando as alegações de seus promotores, os transgênicos na verdade conduzem a um aumento no uso dos agrotóxicos devido à resistência que as plantas desenvolvem contra esses químicos. Isso também contribui para a rápida emergência de "super-ervas" e insetos praga que desenvolvem resistência, exacerbando os problemas que essas tecnologias se propõem a solucionar (ALTIERI, 2012, p. 38; LEONEL JÚNIOR, 2019, p. 43-47; DALLA RIVA, 2020).


Os defensores da Revolução Verde promoveram a adoção de práticas como mecanização intensiva, uso generalizado de fertilizantes químicos e agrotóxicos, e o cultivo de variedades, espécies e híbridos de alta produtividade, mas de pouca diversidade genética. Eles propagaram a crença de que o avanço e o aprimoramento da agricultura seriam alcançados através destas estratégias, apresentando-as como a solução definitiva para erradicar a fome, enquanto negligenciavam as complexidades sociais e políticas relacionadas (SANTILLI, 2009, p. 62-63; DALLA RIVA, 2020). Quanto mais tolerantes e resistentes forem as plantas, mais agrotóxico precisa ser aplicado, aumentando ainda mais o risco ambiental existente já que os agrotóxicos “degradam o solo, contaminam a água e se acumulam nos alimentos”, destroem a biodiversidade, diminuem a concentração da força de trabalho e expulsam as famílias do campo.


A Revolução Verde resultou na exclusão de numerosos agricultores incapazes de suportar os elevados custos produtivos: “os agricultores mais pobres não têm lugar no mercado promovido pelas grandes empresas” (ALTIERI, 2012, p. 30, 58), já que “para mantener una escala de competición y el margen de beneficio, sólo las grandes empresas logran producir em gran cantidad, algo que los pequeños agricultores no pueden hacer” (LEONEL JÚNIOR, 2019, p. 57).


Essa "ideologia da modernização" baseada na defesa de soluções "tecnológicas" para os problemas da agricultura contemporânea é hoje hegemônica nas ciências agrárias e na economia brasileira. O discurso de que "sem pesticida não dá para plantar" e de que "o agronegócio é essencial para a economia brasileira e para alimentar a população" são algumas das falácias que um estudo crítico do assunto pode afastar. Realmente, num sistema em que os ecossistemas se encontram extremamente degradados é verídico de que o cultivo se torne difícil ou até mesmo impossível sem o uso desses produtos. A transição para sistemas agroecológicos, contudo, é possível e necessária.


Nesse sentido, pode-se mencionar os estudos realizados por Altieri no qual o autor demonstra que as práticas agroecológicas, em que pese apresentarem uma queda inicial de produtividade, compensam e muito as perdas inicias com grande elevação dos ganhos futuros pela manutenção ou aumento da produtividade a longo prazo (ALTIERI, 2012, p. 211):



Os dois modelos agrícolas (monocultor-transgênico vs. agroecológico) são baseados em racionalidades ecológicas totalmente diferentes (DALLA RIVA, 2020; IZOLANI, 2021). A agroecologia, como ciência que se contrapõe ao modelo monocultor, é sustentável em diversas dimensões: social, econômica e ecológica, pois proporciona a participação das comunidades na criação de atividades e projetos, de modo que os camponeses sejam “atores de seu próprio desenvolvimento” já que “a produção estável somente pode acontecer no contexto de uma organização social que proteja a integridade dos recursos naturais e estimule a interação harmônica entre os seres humanos, o agroecossistema e o ambiente” (ALTIERI, 2004, p. 26-27).


O modelo monocultor-transgênico, por sua vez, se reproduz há décadas às custas da contaminação dos ecossistemas, diminuição da biodiversidade, danos à saúde humana (vale pensar nos inúmeros estudos que evidenciam o vínculo entre o uso de agrotóxicos e o aumento de câncer) (IZOLANI, 2021; CARNEIRO, 2015), aumento do êxodo rural de pequenos agricultores, aumento da desigualdade e enriquecimento de latifúndios através da concentração de renda e terra nas mãos de poucos produtores. Para piorar o cenário, esse modelo de "agronegócio" sequer produz "alimento". Os principais produtos agrícolas no Brasil hoje são a soja e o milho, produtos considerados "commodities" (mercadorias) que se destinam especialmente à exportação e à ração para animais (DALLA RIVA, 2020) (tema profundamente polêmico e que aprofundaremos em outro momento).


É evidente que os benefícios de uma transição para modelos agroecológicos transcendem simplesmente o aspecto econômico, visto que a percepção do desenvolvimento exclusivamente em termos de lucro financeiro está entre os motivos dos desafios enfrentados atualmente. Além disso, é importante reconhecer que a mudança de práticas agrícolas modernas para métodos agroecológicos representa um processo intrincado que poderia e deveria ser fomentada pelo Estado, possibilitando, por exemplo, a oferta de subsídios aos agricultores que se dispusessem a realizar essa mudança (DALLA RIVA, 2020).


Em suma, tendo em vista o atual contexto de crise ecológica e superação dos limites planetários - dentre eles a perda de biodiversidade - (ROCKSTRÖM, 2015) e a urgência na busca por alternativas mais sustentáveis de produção, entende-se que qualquer prejuízo econômico inicial de um processo de transição deve ser considerado irrisório, pois será devidamente compensado se analisados os benefícios dos plantios agroecológicos a longo prazo.


REFERÊNCIAS


ALTIERI, Miguel. Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura sustentável. 5. ed.

Porto Alegre: UFRGS, 2004.


CARSON, Rachel. Primavera silenciosa. Trad. Raul de Polillo. 2. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1994.


CARNEIRO, Fernando Ferreira et al (Org.). Dossiê ABRASCO: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde. Rio de Janeiro: EPSJV; São Paulo: Expressão Popular, 2015.


DALLA RIVA, Leura. De Marx ao MST: Capitalismo financeirizado e forma jurídica como entraves à agroecologia. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Maria (PPGD-UFSM). 2020.


IZOLANI, Francieli Iung. Direito à segurança alimentar e acesso à informação ambiental. agrointoxicação e impactos do consumo de horifrutigranjeiros. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Maria (PPGD-UFSM). 2021.


GRAFF, Laíse. Os agrotóxicos e o meio ambiente: uma abordagem a partir do direito humano à alimentação adequada. Caxias do Sul: Universidade de Caxias do Sul, 2013.


Johan ROCKSTRÖM. Big World, Small Planet: Abundance Within Planetary Boundaries. New Haven: Yale University Press, 2015.

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