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  • Foto do escritorEduardo Schneider Lersch

A importância do Acordo de Escazú para a proteção dos ativistas ambientais

Atualizado: 27 de jul. de 2023

O Acordo de Escazù, discutido em 2018 na Costa Rica, é o primeiro tratado internacional que inclui disposições sobre defensores de direitos humanos em assuntos ambientais. A importância da medida se destaca pelos altos índices de letalidade de ativistas ambientais, uma lúgubre realidade predominante em países da América Latina, África e Ásia.


Em síntese, o acordo possui 4 alicerces[1], visando: 1) maior participação social em etapas decisórias em projetos ambientais, abarcando grupos vulneráveis e afetados por impactos ambientais; 2) ampliação do acesso à informação ambiental e de maior transparência perante os órgãos responsáveis pela atuação nessa área; 3) ampliação do acesso à justiça, resolução de conflitos e reparação de danos, com especial atenção aos grupos mais vulneráveis; e 4) proteção de denunciantes e ativistas ambientais, ressaltando o dever de prevenir, investigar e punir ameaças e ataques a esses grupos[2].


O tratado busca mitigar algumas das consequências dos efeitos socioambientais da corrupção nessa seara, dentre os quais a ameaça e assassinato de ativistas se tornou constante. Vincenzo Ruggiero aponta que mais da metade desses homicídios ocorrem em países da América Latina, em especial em países na Região Amazônica – sendo o Brasil o mais perigoso do bloco dessas nações. Conjuntura similar ocorre no México, infelizmente marcado por altíssimos índices de criminalidade organizada, violência e corrupção, consequentemente acarretando no desaparecimento, tortura e assassinato de milhares de inocentes todos os anos, incluídos também ativistas ambientais.


Os patrocinadores dos assassinatos vêm de diversas áreas, sempre sendo possível a vinculação com a indústria extrativista (minério, madeira, petróleo) ou interesses poderosos do agronegócio na região[3]. Indivíduos envolvidos em esforços de conservação de biomas e espécies ameaçadas de extinção são frequentes vítimas também, uma realidade muito presente em países africanos.


Não faltam exemplos de defensores ambientais que entraram na mira após contrariem grupos que atuam no garimpo ilegal, desmatamento e/ou grilagem de terras. Dentre estes, alguns casos se tornam notórios e martirizados, como o de Chico Mendes assassinado em 1988 por fazendeiros (em 2007 seu legado foi homenageado com a criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade– ICMBio), ou da missionária Dorothy Stang em 2005, ou recentemente com Bruno Pereira e Dom Phillips em 2022.


Tampouco é possível esquecer os confrontos entre tribos indígenas e invasores de suas terras, e dos funcionários públicos que atuam em prol da proteção ambiental[4] no IBAMA, ICMBio, FUNAI, Polícia Federal, Ministério Público Federal, Polícia Militar Ambiental, entre outros. Há pouco tempo o Projeto Ruptura apontou dois casos de ambientalistas assassinados no México, por organizações criminosas que estão avançando na extração de recursos naturais. Um dos ativistas mortos foi Álvaro Arvizu Aguiñiga foi assassinado nas instalações do Centro para la Sustentabilidad Incalli Ixcahuicopa (CENTLI), local onde trabalhava, localizado no município de Tlalmanalco, Estado do México. Outro defensor dos direitos humanos, Cuauhtémoc Márquez Fernández, pesquisador em agroecologia e apicultura, sofreu um ataque em sua casa em Cañada del Agua, em Tlalmanalco.[5]


O preço de assassinar alguém é baixo no Brasil e no México. Não à toa, ambas as nações possuem índices altíssimos de violência e homicídios[6], e pouquíssimas porcentagens de resoluções dessas investigações[7]. De acordo com o estudo intitulado “Onde mora a impunidade” realizado pelo Instituto Sou da Paz, apenas 37% dos homicídios ocorridos no Brasil em 2019 foram solucionados[8]. No caso mexicano, esse índice chega a ser muito pior, com taxa de solução de cerca 3 a cada 100 homicídios[9].


Como se vê, o problema vai muito além do assassinato e ameaças a defensores de direitos humanos em matéria ambiental. Mas o Acordo de Escazù encabeça uma resposta internacional para um fenômeno que não tem recebido a devida atenção, e por omissão (e em certos casos por ação) do Estado em diversas regiões do mundo, interesses poderosos avançaram com seus métodos extrativistas e violentos.


Algumas das regiões mais pobres e vulneráveis do mundo fornecem recursos e matérias que impulsionam a economia global. A medida que esses mercados se expandam e a demanda aumente, a frequência com a qual ativistas ambientais se encontrarão na linha de fogo acompanhará essa trajetória[10]. De acordo com Ruggero:

O assassinato de ativistas ambientais é uma forma de aniquilação proativa; é premeditado, não é reativo ou impulsivo, não é uma resposta a alguma ameaça imediata. Em vez disso, tem a intenção de ser dissuasivo para aqueles que não são mortos, de modo que aqueles que estão inclinados a seguir os passos dos ativistas saibam o preço de sua possível decisão[11].

A escalada da violência acompanhou os diversos retrocessos socioambientais e institucionais impostos pela ação e omissão do governo de Jair Bolsonaro. O Acordo de Escazù, embora assinado pelo Brasil em 2018, somente foi encaminhado ao Congresso para ratificação em maio de 2023[12]. Espera-se que o Legislativo reconheça a importância desse compromisso internacional e que o Estado brasileiro implemente medidas políticas e institucionais necessárias para a governança e democracia ambiental no país.


NOTAS E REFERÊNCIAS [1] https://transparenciainternacional.org.br/acordo-de-escazu/ [2] Para uma análise mais detalhada da ONG Transparência Internacional: https://comunidade.transparenciainternacional.org.br/asset/111:acordo-de-escazu?stream=1 [3] RUGGIERO, Vincenzo. Killing Environmental Campaigners: Manifest and Latent Justifications. Criminological Encounters, v. 3, n. 1, 16 dez. 2020, p. 93. [4] É possível encontrar inúmeros exemplos com uma simples pesquisa, vide um exemplo recente (fev. 2023): https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2023/02/23/ponto-de-fiscalizacao-na-terra-yanomami-e-alvo-de-atentado-e-garimpeiro-e-baleado.ghtml [5] Cfr. https://www.projetoruptura.org/post/newsletter-7 [6] Cfr. https://jpmas.com.ni/este-es-el-ranking-de-las-50-ciudades-mas-violentas-del-mundo/ [8] Cfr. https://soudapaz.org/noticias/estados-brasileiros-perdem-capacidade-de-esclarecer-homicidios-revela-estudo-do-instituto-sou-da-paz/ [9] Cfr. https://www.mexicoevalua.org/solo-3-de-cada-100-homicidios-dolosos-se-resuelven-en-el-sistema-de-justicia-penal/ [10] RUGGIERO, op. cit., p. 100 [11] Ibidem [12] https://www.gov.br/mma/pt-br/assuntos/noticias/governo-envia-acordo-de-escazu-para-o-congresso

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