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  • Foto do escritorEduardo Schneider Lersch

REFLEXÕES E DINÂMICAS SOBRE O FENÔMENO DA CORRUPÇÃO

O termo “corrupção” é polissêmico, partindo tanto de um significado latu sensu que remonta a um estado de putrefação e/ou degeneração, quanto de imputações previstas em normas penais. Estudos sobre esse fenômeno tendem a ser interdisciplinares pela dimensão e magnitude que casos de corrupção podem alcançar, sobretudo quando se fala em seu caráter “sistêmico”.


Esse tipo de conduta é uma potencialidade em qualquer tipo de governo e sua análise remonta a tempos longínquos da história. Dentro da lógica aristotélica, é possível resgatar a vinculação da corrupção aos ciclos históricos de ascensão e decadência institucional, que desencadeariam o início de uma transição para uma nova fase[1], estabelecendo que sua manutenção é insustentável.


Em linhas gerais, a corrupção é sintomática de que há algo errado na gestão estatal, minando a legitimidade de sua existência. Esse comportamento subverte o papel das instituições, desviando-as de suas funções de gerir as inter-relações entre cidadãos e Estado, em prol do enriquecimento pessoal, distribuição de benefícios e poder aos agentes corruptos, que tomam recursos públicos que seriam destinados aos objetivos almejados pela sociedade[2].


Delimitando a sua definição com contornos modernos, bem como, para o escopo deste artigo, o fenômeno pode ser definido como: “o abuso e uso ilegítimo do poder público para atender a anseios privados”. Esse conceito transcende o enfoque puramente jurídico e abarca um grande leque de condutas que não estão restritas propriamente à imputação de um crime. Todavia, é importante ressaltar que comportamentos considerados como “corruptos” variam de acordo com o âmbito social que estão inseridos.


Tiago Cadore apresenta uma interessante classificação, onde a percepção de corrupção é diferenciada em graduações de cores “preta, cinza e branca”, que levará em conta os juízos de valor da opinião pública e da classe político-burocrática da nação. Nesse sentido atos de corrupção inseridos na “zona preta”, são repudiados por ambos os sujeitos, que demandam sua repressão. Na “branca”, o comportamento é considerado normal e não passível de punição. Na “zona cinzenta”, há uma linha tênue entre a tolerância e percepção do ato como corrupto: ainda que se entenda o comportamento como tal, este é aceito como parte do jogo (aqui insere-se o famoso “jeitinho brasileiro”)[3].


Em um escopo mais abrangente e sistemático do fenômeno, Michael Johnston apresenta uma distinção de “sintomas da corrupção”. O autor delimita 4 categorias de dinâmicas de corrupção predominantes, cada qual com grupos específicos que se encontram no topo da pirâmide social. São eles: i) Official Moguls (barões de poder), presente em nações como a China e o Quênia; ii) Oligarchs and clans (oligarcas e clãs), a exemplo da Rússia, Filipinas e México; iii) Elite Cartels (cartéis de elites), na Argentina, Brasil e Itália; e iv) Influence Markets (mercados de influência), nos EUA, Japão e Alemanha[4].

A corrupção de países na dinâmica de “Elite Cartels” se destaca pela adaptabilidade e resiliência do sistema corrupto. O fenômeno tende a persistir, mesmo com uma aparente alternância de poder, unindo esforços entre as elites políticas e econômicas para limitar os resultados institucionais. Para Johnston, os países inseridos nessa categoria geralmente contam com: a) instituições fracas e comprometidas (em especial o Judiciário); b) os partidos políticos têm raízes superficiais e traiçoeiras, unindo partidos de aparentes ideologias opostas em esquemas ilícitos; c) burocracias grandes e permeáveis, com alta discricionariedade política[5].


Este diagnóstico pode auxiliar a análise de possíveis abordagens contra as práticas corruptas, incorporando a potencialidade dos riscos e sucessos de diferentes estratégias de enfrentamento à análise. Johnston também aborda as perspectivas do que ele chama de “deep democratization” (democratização profunda), para a construção de uma conscientização política e pública sobre o problema da corrupção, como forma de capacitar a sociedade a resistir as violações de seus direitos humanos e fundamentais, resultando, a longo prazo, em reformas e concessões por parte das elites dominantes em prol de uma sociedade menos desigual[6].


O vínculo da corrupção com o enfraquecimento dos objetivos constitucionais socioambientais é relativamente pouco analisado. Não obstante, a existência de uma conexão íntima entre essas circunstâncias é evidente, em especial quando se vislumbra o desvio de verbas destinadas à construção de obras de infraestrutura com enorme impacto e dano ambiental.


A “cláusula” de superfaturamento já embutido em muitas licitações e contratos firmados sob um acordo espúrio de corrupção obviamente afeta a qualidade do serviço prestado. Além de inflacionar o custo necessário para a execução da obra, o uso de materiais de qualidade inferior somado com uma má-gestão resulta em consequências imprevisíveis e por vezes irreparáveis. Em casos específicos é possível até mesmo questionar a necessidade e dimensão da obra, e se esta não foi proposta com outros motivos.


Vazamentos de óleo, queda de estruturas, rompimento de barragens, deslocamento forçado de populações nativas, destruição de ecossistemas – a corrupção está direta e indiretamente atrelada à muitas dessas consequências. Conforme a atenção da comunidade internacional passe a focalizar questões ambientais e para a clise climática, é inevitável que a opacidade do fenômeno da corrupção e suas consequências sejam debatidas nesse âmbito.


Recentemente a Transparência Internacional e a World Wide Fund for Nature (WWF) divulgaram um estudo sobre os impactos socioambientais da corrupção em 6 grandes obras na região Amazônica, incluído o caso emblemático da usina hidrelétrica de Belo Monte[7]. O documento traz 5 conjuntos de recomendações “que visam aprimorar os processos e decisões que envolvem concepção, planejamento, licitação, contratação, licenciamento, execução e operação de projetos de infraestrutura”[8].


Compreender a profundidade de um fenômeno complexo como a corrupção é necessário para avançar nesta e em outras pautas. Os retrocessos institucionais em desfavor do sistema anticorrupção brasileiro dos últimos anos também impactaram negativamente os órgãos de fiscalização ambiental como o IBAMA, ICMBio, FUNAI, etc. A mesma dinâmica de interferência política foi aplicada, e não é por outro motivo que a Transparência Internacional vincula o estudo anterior com a involução da pauta anticorrupção.


Dada a relevância ambiental, social e cultural do Brasil, o interesse internacional na temática e a vontade política (ao menos declarada) de inserir a nação novamente no centro do debate da proteção ambiental, é inevitável que a sociedade e a classe política fomentem o debate sobre as consequências da corrupção - de preferência sem as paixões ideológicas e político-partidárias que polarizam a temática.

[1] FILGUEIRAS, Fernando. Corrupção, democracia e legitimidade. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008, p. 35-37. [2] Op. cit, p. 71 [3] CADORE, Tiago. [4] JOHNSTON, Michael. Syndromes of Corruption: wealth, power and democracy. New York: Cambridge University Press, 2005, p. 38-49. [5] JOHNSTON, Michael. Op. cit., 2005, p. 89-94 [6] JOHNSTON, Michael. Corruption, contention, and reform: the power of deep democratization. New York: Cambridge University Press, 2014, p. 46-48. [7] https://www.nexojornal.com.br/academico/2020/10/29/A-trilha-de-destruição-socioambiental-deixada-por-Belo-Monte [8] https://knowledgehub.transparency.org/assets/uploads/kproducts/WWF-e-TI-Grandes-obras-na-Amazônia-corrupção-e-impactos-socioambientais.pdf

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