No dia 02 de agosto de 2023 nós passamos a data que marcou a sobrecarga do planeta Terra para o ano[i]. Isso significa dizer que nós ultrapassamos, para o ano base, a capacidade que a Terra tem de regenerar seu sistema frente a demanda humana de recursos ecológicos. Também recentemente, a Google apresentou seu relatório ambiental demonstrando que a companhia aumentou em 20% seu consumo de água, em comparação a 2021. Foram 21 bilhões de litros de água usados[ii].
Grande protagonista nos debates acerca das cidades inteligentes, das energias renováveis e tanto outros campos das ações para controle da crise do clima, a tecnologia aparece cada vez mais como uma personagem polêmica e constante nas discussões internacionais e nacionais acerca da sustentabilidade. A própria Agenda 2030 da ONU dedica os itens 17.6 a 17.8 de seu objetivo de número 17 (“Parcerias e Meios para implementação”) ao acesso à tecnologia no Norte e Sul globais[iii].
Ocorre, no entanto, que a tecnologia é também a personagem principal da estruturação do sistema de consumo atual, e as empresas de tecnologia como Meta e a já aqui citada Google, operam um papel de grande relevância no cenário mundial da economia de capitalismo financeiro contemporâneo. Grandes debates acerca da proteção de dados e do papel das “Fake News” no contexto das novas tecnologias foram recentemente alimentados no mundo e, com rigor, no Brasil.
Em meio a questionamentos sobre regulação e controle das atividades dessas grandes corporações, aqueles 20% de aumento de consumo de água da Google, como apontado pela revista Exame, curiosamente acompanharam um aumento substancial de investimento no desenvolvimento de Inteligência Artificial, cujo treinamento dos algoritmos em Data Centers exige um alto gasto em resfriamento, tipicamente realizado com água. Água essa que se encontra em escassez em diversos lugares do mundo, incluindo o Centro-Oeste estadunidense onde a própria Google (que também apontou em seu relatório que de seu uso hídrico, pouco mais de 80% da água doce provém de locais de baixo estresse hídrico) se deparou com a necessidade de realizar o resfriamento a “ar”.
E, numérica e rapidamente assim, o discurso altamente reproduzido de que a tecnologia é a “bala de prata” da humanidade contra as mudanças climáticas se desfaz. De nada adianta tratarmos de ações de sustentabilidade e contra a emergência climática quando ainda falamos de ferramentas inseridas num macro sistema econômico que levou o planeta a esse nível de exaustão ambiental[iv].
Nem melhor amiga, nem grande inimiga, a tecnologia e suas discussões precisam ser reconhecidas como parte da forma produtiva global, capitalista de cariz antropocêntrica e desenfreada, que nos trouxe ao ponto de sobrecarga. E, apenas quando assim reconhecida, é que podemos considerar o papel da tecnologia na busca por uma regeneração da Terra: sem balas de prata, sem grandes curvas heroicas, apenas como mais um dos instrumentos disponíveis para um Globo (supostamente) comprometido com a luta contra as mudanças do clima.
Notas e referências
[i] About Earth Overshoot Day - #MoveTheDate of Earth Overshoot Day. Disponível em: <https://www.overshootday.org/about-earth-overshoot-day/>. Acesso em: 14 ago. 2023. [ii] Inteligência artificial e nuvem do Google consomem 21 bilhões de litros de água por ano. Exame. Disponível em: <https://exame.com/inteligencia-artificial/inteligencia-artificial-e-nuvem-do-google-consomem-21-bilhoes-de-litros-de-agua-por-ano/>. Acesso em: 14 ago. 2023. [iii] Sustainable Development Goal 17: Parcerias e meios de implementação | As Nações Unidas no Brasil. Disponível em: <https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/17>. Acesso em: 14 ago. 2023. [iv] FOSTER, John Bellamy; STATES, Brett ClarkTopics: Capitalism Climate Change Ecology Movements Political Economy Places: Americas Global United. Monthly Review | Crossing the River of Fire. Disponível em: <https://monthlyreview.org/2015/02/01/crossing-the-river-of-fire/>. Acesso em: 14 ago. 2023.
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