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O “VÍRUS DA FOME” E A INSEGURANÇA ALIMENTAR NO BRASIL E NO MUNDO

“Vi ontem um bicho, na imundície do pátio, catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa, não examinava nem cheirava: engolia com voracidade. O bicho não era um cão, não era um gato, não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem". (Manuel Bandeira)



Dra. Cátia Rejane Mainardi Liczbinski [1]



[1] Doutora em Ciências Sociais pela UNISINOS. Mestre e Especialista em Direito. Professora Curso de Direito e Pós-Graduação. Advogada. Escritora. Pesquisadora. Coordenadora de Grupos de Pesquisa. Gestora Blog de Direitos Humanos. Avaliadora AD HOC CNPQ. Email: catia.rejane.prof@gmail.com



A Dignidade Humana é o fundamento de toda proteção do humano. A alimentação e a adequada e correta nutrição são condições para o ser humano sobreviver. No artigo 6º da Constituição Federal de 1988 Brasileira estão dispostos os direitos sociais: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição".


Infelizmente, no Brasil e Mundo, milhões de pessoas ainda passam fome, estão desnutridas e ou sem a alimentação correta (insegurança alimentar). A fome mata 8.500 crianças diariamente no Planeta.


Segundo a ONU e a FAO (órgão das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura), a fome afetou 47,7 milhões de pessoas na América Latina e no Caribe em 2019. O relatório “Estado da segurança alimentar e nutrição no mundo 2020 (SOFI)”, publicado em julho de 2020, aponta que a cada 4 segundos uma pessoa morre de fome na Terra (Unicef – Fundo das Nações Unidas para a Infância). Os mais afetados com a fome são crianças. No Brasil, 6 em cada 10 crianças vivem na pobreza.


O Brasil, em 2014 conseguiu sair da linha da pobreza e desnutrição, mas no ano de 2020, segundo Relatório da Oxfam a fome matou mais pessoas que a Pandemia de COVID-19: em torno de 12 mil pessoas por dia no mundo e o Brasil, a índia e a África do Sul foram e são centros desse fato.


Para o Programa Mundial de Alimentos (PMA) da ONU, os impactos socioeconômicos da pandemia resultarão em mais de 121 milhões de pessoas em nível de crise de fome em 2020. A taxa de mortalidade diária estimada para o IPC a partir do nível 3 é de 0,5 – 1 a cada 10 mil pessoas. Isso equivalente a 6.050 – 12.100 mortes por dia devido à fome como resultado da pandemia até o fim de 2020. A taxa de mortalidade diária observada globalmente para a covid-19 teve pico em abril de 2020 com pouco mais de 10 mil mortes por dia. E ficou aproximadamente entre 5 mil e 7 mil mortes diárias nos meses seguintes de acordo com dados da John Hopkins University.


A fome é um vírus que perdura séculos. O alimento existe, mas as inadequadas políticas públicas e o desperdício de alimentos são problemas a serem combatido que afetam diretamente as crianças e mulheres. No mundo as mulheres possuem o papel de produtoras de alimentos sendo discriminadas de forma sistêmica pelo fato de “ser mulher”, recebem salários inferiores aos homens nas mesmas condições e no Brasil representam a maioria dos trabalhos informais, fatores que aumentam a pobreza e consequentemente a fome.


Para Vandana Shiva “A agricultura e a alimentação são a economia das mulheres, até serem sequestradas pelas corporações”. Em geral a única coisa que os homens fazem na agricultura tradicional é plantar. As mulheres fazem todo o resto. A maioria dos agricultores da Índia são mulheres e a maior parte do trabalho é realizada por mulheres que estão deslocadas com a invasão do Roundup da Monsanto. Os agricultores deixam de cultivar e de processar os alimentos e acabam produzindo mercadorias baratas para a indústria. E eles ficam mais pobres. Não há valor agregado para a comunidade, há apenas exploração.


A FAO estima que um terço de todos os alimentos produzidos no mundo sejam jogados fora, ainda em boas condições para consumo; montante suficiente para alimentar pelo menos 800 milhões de pessoas. Enquanto muitos morrem de fome, sabendo-se que o desperdício de alimentos é enorme, tem-se também o problema de saúde da obesidade que aumenta o risco de doenças não transmissíveis, tanto em crianças quanto em adultos. Estima-se que 7,5% das crianças menores de 5 anos estão acima do peso, consideravelmente acima da média mundial de 5,6% (SOFI).


Um fator preocupante é que, entre todas as regiões do mundo, a América Latina e o Caribe têm o custo mais alto de compra para uma dieta que atenda às necessidades energéticas mínimas: US$ 1,06 ao dia por pessoa. Esse valor é 34% mais caro que a média global. Uma dieta saudável deve fornecer todos os nutrientes e energia essenciais que cada pessoa precisa para se manter saudável. Com base na renda média estimada, mais de 104 milhões de pessoas não podem pagar uma dieta saudável.


Foi aprovado por unanimidade na Câmara de Deputados e no Senado do Brasil em junho de 2020 o projeto de lei que regulamenta a doação de alimentos excedentes por diversos estabelecimentos a fim de reduzir o desperdício (PL 1.194/2020). Basta a aprovação do Presidente da República.


A lei dispõe que estabelecimentos que forneçam alimentos preparados prontos para o consumo como empresas, hospitais, supermercados e restaurantes poderão doar os alimentos dentro do prazo de validade e nas condições de conservação especificadas pelo fabricante (caso dos produtos em conserva, por exemplo). Essa ideia pode ser amparada pelo Poder Público e ou ONGs, entidades beneficentes de assistência social ou de entidades religiosas.


Essa questão do “PARE COM O DESPERDÍCIO” é uma preocupação constante da ONU e hoje o Programa Mundial de Alimentos, PMA contra o desperdício de alimentos. A falta de aproveitamento de alimentos custa à economia mundial quase US$ 1 trilhão anuais e, segundo o PMA, existe comida suficiente para alimentar todas as pessoas do mundo, e mesmo assim, cerca de 30% das 4 bilhões de toneladas de alimentos produzidos são jogados no lixo.


Cabe a cada indivíduo ter a consciência e a educação para um consumo sustentável dos alimentos no sentido de valorizar comprando produtos da agricultura familiar (local), preferencialmente orgânicos para também cuidar da saúde e aproveitar ao máximo cada produto, inclusive as cascas que são grande fonte de nutrição.


Nesse sentido, é urgente que as pessoas tenham consciência da grande quantidade de alimentos que são descartados diariamente. Um mau hábito que deve ser superado para erradicar a fome em todo o mundo. “Cada dia a natureza produz o suficiente para nossa carência. Se cada um tomasse o que lhe fosse necessário, não havia pobreza no mundo e ninguém morreria de fome (Mahatma Gandhi)”.


Referências







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