No dia 20 de novembro a Oxfam publicou um relatório entitulado "Igualdade climática: um planeta para os 99%". Abaixo apresentamos a tradução dos principais pontos desse relatório com alguns comentário da nossa equipe.
Segundo a Oxfam, há muito tempo existem grandes desigualdades nas emissões entre os países e é amplamente aceito que as nações ricas têm a maior parte da responsabilidade histórica pela atual crise climática, aspecto inclusive reconhecido no Acordo de Paris de 2015 por meio do princípio da responsabilidade comum, porém diferenciada (Oxfam, 2023).
Em 2019, os países de alta renda (16% da população mundial) foram responsáveis por 40% das emissões de CO2 baseadas no consumo global, enquanto a contribuição dos países de baixa renda foi de insignificantes 0,4%. As atuais emissões baseadas no consumo da África são inferiores a 4%, apesar de o continente abrigar 17% da população mundial (Oxfam, 2023).
Outra evidência dessa essa responsabilidade dos países ricos é o fato de que eles se beneficiaram do crescimento intensivo de carbono que foi possibilitado pelas relações coloniais através da extração significativa de recursos, exploração de mão de obra e regras comerciais que favorecem as antigas nações colonizadoras (Oxfam, 2023).
Essas relações dependentes e extrativistas existem ainda hoje entre Norte e Sul Global e são a base de funcionamento do mercado capitalista internacional (ARAOZ, 2021; BAMBIRRA, 2013; MENDEL, 1970). Basta pensar na dependência econômica brasileira sobre a extração e exportação de petróleo ou commodities como a soja.
A OXFAM também chama a atenção para o fato de que os cenários atuais de mitigação das mudanças do clima do IPCC não levam em conta a responsabilidade histórica dos países e as necessidades do Sul Global para atingir as metas de desenvolvimento: "As disparidades nas emissões entre os países, tanto atuais quanto históricas, exigem responsabilidade diferenciada para mitigar os efeitos das mudanças climáticas. Os países ricos ricos devem reduzir as emissões primeiro, e rapidamente" (Oxfam, 2023). Para a Oxfam, os cenários do IPCC "tendem a depender da remoção de carbono com base na terra, principalmente em terras no Sul Global, o que aumenta a competição por terras agrícolas e coloca em risco a segurança alimentar, a biodiversidade e os direitos à terra dos povos indígenas, aumentando a desigualdade fundiária e a falta de terra".
A desigualdade não corre apenas entre países ricos e pobres, mas também internamente nos países ricos, já que apenas 1% da população (os chamados super-ricos) são responsáveis por grande parte das emissões de carbono. Nesse sentido, a OXFAM ressalta algumas descobertas:
1) Em 2019, o 1% dos super-ricos foi responsável por 16% das emissões globais de carbono, que é o mesmo que as emissões dos 66% mais pobres da humanidade (5 bilhões de pessoas).
2) Desde a década de 1990, o 1% mais rico queimou mais do que o dobro de carbono do que a metade inferior da humanidade.
3) As emissões globais anuais do 1% super-rico em 2019 anulam a economia de carbono de quase um milhão de turbinas eólicas em terra.
4) As emissões do 1% super-rico em 2019 são suficientes para causar 1,3 milhão de mortes em excesso devido ao calor.
5) Um imposto de 60% sobre a renda do 1% dos super-ricos em todo o mundo reduziria o equivalente em carbono a mais do que o total de emissões do Reino Unido e arrecadaria US$ 6,4 trilhões para financiar a energia renovável e a transição para longe dos combustíveis fósseis.
QUEM SÃO OS RICOS, OS SUPER-RICOS E OS ULTRA-RICOS?
Os 10% da população mundial responsável por metade das emissões de carbono compreendem:
Ricos: cerca de 770 mil pessoas que recebem uma renda média de 90 mil dólares per capita e são responsáveis por 49,8% das emissões. Mais de 60% dos 10% mais ricos são de países de alta renda.
Super-ricos (1% da população mundial, composta por cerca de 77 mil indivíduos com renda média de 310 mil dólares per capita e responsável por 15% das emissões); Os super-ricos gostam de queimar carbono excessivamente, seja em seus jatos particulares, super-iates, mansões ou naves espaciais. Um estudo que examinou as emissões de consumo de 20 bilionários descobriu que cada um deles produzia uma média de mais de 8.000 toneladas de CO2 por ano.
Ultra-ricos (0,01% da população mundial, composta por 7 mil pessoas que recebem uma renda média de mais de 1 milhão de dólares per capita e é responsável por 4,5% das emissões); e
Milionários ultra-ricos e acima: (0,001% da população mundial composta por 770 indivíduos que recebem renda média de quase 5 milhões de dólares per capita e é responsável por 0,7% das emissões)
Segundo a Oxfam, 1/3 das emissões de carbono do 1% mais rico atualmente está associado ao consumo das pessoas nos EUA, com as próximas maiores contribuições vindo das pessoas que vivem na China e nos países do Golfo (Bahrein, Kuwait, Omã, Catar, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos). Além disso, 40% por cento das emissões de carbono dos 10% mais ricos atualmente estão associadas ao consumo de indivíduos na América do Norte e na União Europeia e cerca de 1/5 ao consumo de indivíduos na China e na Índia (Oxfam, 2023).
As emissões individuais de carbono podem ser divididas em emissões de consumo pessoal, emissões por meio de gastos governamentais e emissões vinculadas a investimentos. Para o 1% super-rico, os investimentos podem ser responsáveis por 50% a 70% de suas emissões. Grandes investimentos estão intrinsecamente ligados ao poder sobre as empresas, colocando os mais ricos do mundo no comando da economia corporativa. Nos EUA, por exemplo, o 1% mais rico possui 54% das ações detidas pelos americanos (Oxfam, 2023).
Atualmente, os investimentos em negócios de baixo carbono representam menos de 1% dos gastos de capital das empresas de petróleo e gás (Oxfam, 2023).
Em síntese, os super-ricos são fundamentais para a história do clima de três maneiras:
Através do carbono que emitem em suas vidas diárias, de seu consumo, inclusive de seus iates, jatos particulares e seus estilos de vida luxuosos;
Por meio de seus investimentos e participações acionárias em setores altamente poluentes e de seu interesse financeiro interesse financeiro no status quo econômico;
Pela influência indevida que exercem sobre a mídia, a economia, a política e a elaboração de políticas.
Como resultado, eles estão roubando do resto da humanidade a vida em um planeta saudável, habitável e mais igualitário.
As emissões são desiguais e os efeitos também!
Enquanto os 10% (e dentre eles especialmente o 1%) da população mundial é historicamente responsável pela maior parte das emissões de carbono que nos trouxeram hoje ao início do colapso climático, a maior parte das pessoas afetadas pelos eventos climáticos extremos se encontra em países "pobres".
Segundo o relatório: "Em todos os lugares, as pessoas que vivem na pobreza, especialmente as mulheres negras, são as mais afetadas e quase todas as pessoas que sofrem discriminação por causa de gênero, cor, religião, casta, classe ou idade são as mais afetadas. A essas mesmas pessoas foram negados os recursos para responder ou se recuperar do impacto das mudanças climáticas, o que aumenta sua vulnerabilidade a futuros choques climáticos e econômicos e alimenta ainda mais um ciclo vicioso de desigualdade" (OXFAM, 2023).
Essa realidade está se mostrando cada vez mais evidente no contexto brasileiro se pensarmos nos recentes e atuais eventos climáticos extremos que vem atingindo, especialmente, a classe trabalhadora e as populações mais vulneráveis. Essas pessoas não apenas sofrem diretamente com eventos como altas temperaturas, inundações, secas, ciclones etc., mas também possui muito mais dificuldades em reconstruir aquilo que perderam em razão desses eventos. Além disso, como ressalta a Oxfam: "As pessoas de grupos de baixa renda também têm dificuldades para comprovar suas perdas porque seus bens geralmente não são registrados ou formalmente reconhecidos. Isso é particularmente verdadeiro para a posse da terra e pode levar a um deslocamento de longo prazo após um desastre, quando a terra "disputada" é tomada dos que foram afetados" (Oxfam, 2023).
Soma-se a esses aspectos a "exclusão política" das populações de baixa renda:
"A exclusão política das pessoas que vivem na pobreza significa que elas têm menos condições de exigir seus direitos ou de pedir providências aos governos, às empresas ou à comunidade internacional. Isso também significa que é menos provável que elas consigam acessar as redes de segurança criadas para ajudar as famílias a enfrentar os impactos das mudanças climáticas. Essas redes geralmente são destinadas a grupos de renda mais alta, e não àqueles com renda, status e poder mais baixos" (Oxfam 2023)
Além disso, as vulnerabilidades ao impacto das mudanças climáticas também aumentam quando a desigualdade econômica se cruza com outros fatores de desigualdade de poder, como gênero, etnia e idade. Os povos indígenas, tanto no Norte quanto no Sul Global, também são afetados de forma desproporcional pelas mudanças climáticas devido à sua dependência do meio ambiente e às dificuldades que já enfrentam, incluindo a marginalização e a discriminação política e econômica (Oxfam, 2023).
Essa desigualdade restou bastante evidente no caso da comunidade Xokleng em Santa Catarina, afetada anualmente pelas enchentes no Vale do Itajaí que, neste ano de 2023, foram intensificadas pelas mudanças climáticas (STOLL; DALLA RIVA, 2023).
Mais de 91% das mortes causadas por desastres relacionados ao clima nos últimos 50 anos ocorreram em países em desenvolvimento. Os países mais vulneráveis do mundo estão localizados na África, no sul da Ásia, na América Central e do Sul, nos pequenos Estados insulares em desenvolvimento e no Ártico (Oxfam, 2023).
O gráfico abaixo demonstra as principais regiões afetadas pelo aumento da temperatura global:
Em síntese, o relatório da Oxfam demonstra que os países menos responsáveis pelas emissões de gases do efeito estufo são os que mais tem sido afetados pelas consequências das mudanças climáticas.
Os bilionários donos do nosso mundo, que herdaram recursos que foram roubados de nós, agora também são responsáveis pela situação em que nos encontramos. Uma situação que os países do Sul Global nunca buscaram. Eles se apropriaram de recursos, construíram impérios de ganância, era ouro, era prata, era borracha e madeira; agora, é petróleo e gás - Pavel Martiarena Huamán, ativista climático e fotógrafo, Peru (Oxfam 2023).
Acesse o relatório completo:
Fontes:
ARAOZ, Horacio Machado. Violencia extractivista y sociometabolismo del capital, Boletín Onteaiken. N° 32 – Dec. 2021.
BAMBIRRA, Vania. O capitalismo dependente latino-americano. 2. Ed. Florianópolis: Insular, 2013.
MANDEL, Ernest. La teoria marxiana de la acumulacion primitiva y la industrializacion del tercer mundo. Pensamento crítico, La Habana, n. 36, Jan. 1970.
OXFAM. Climate Equality: a planet for the 99%. Disponível em: https://makerichpolluterspay.org/climate-equality-report/. Acesso em: 23 nov. 2023.
STOLL, Sabrina Lehnen; DALLA RIVA, Leura. A situação precária da Barragem Norte de José Boiteux em Santa Catarina. Ruptura. Disponível em: https://www.projetoruptura.org/post/barragem-norte-sc. Acesso em: 23 nov. 2023.
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