Primeiramente, vamos relembrar o que é a segurança alimentar. No Brasil, apenas em 2006, através da Lei 11.346, pela qual foi criado o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), houve sua conceituação oficial como sendo
o direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras da saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis (BRASIL, 2006).
Referido conceito, portanto, foi inspirado na II Conferência Nacional de SAN, realizada em 2004, em que pesem as discussões sobre segurança alimentar já viessem ocorrendo desde a Primeira Guerra Mundial, tendo se intensificado a partir da chamada Revolução Verde.
Foi a partir desse evento específico, com a introdução das commodities, cuja forma mecanizada do campo, somada ao incentivo das monoculturas de exportação com larga utilização de agrotóxicos e, depois, também de transgênicos, que veio à tona a problemática da insustentabilidade e de suas multidimensões, diretamente afetadas por essa lógica mercantilista hegemônica.
Nesse sentido, encontra-se a segurança alimentar inserida em uma problemática de falta de sustentabilidade, mas que, por outro lado, pode propor possibilidades de enfrentamento desse modelo de agroprodutor vigente, tendo como propostas de soluções sustentáveis em pequeno e amplo espectro (IZOLANI, 2021, p. 23).
Feita essa primeira recordação, destaca-se a importância da agricultura familiar enquanto uma dessas propostas sustentáveis, que devem ser visibilizadas e incentivadas cada vez mais.
Mas o que é agricultura familiar?
Com alta capacidade de resiliência, possuir referências na antiguidade clássica e no renascimento, sendo vista como essencial à sociedade.
Basicamente, agricultura familiar é constituída de produtores rurais que não são latifundiários, de povos tradicionais, de assentados da reforma agrária, de silvicultores, aquicultores, extrativistas e pescadores.
De acordo com a legislação, a Lei 11.326/2006, é considerado agricultor familiar aquele que pratica atividades no meio rural, possuindo área de até 4 módulos fiscais, utilizando-se de mão de obra familiar e renda familiar vinculada ao próprio estabelecimento.
Por qual razão a agricultura familiar é tão relevante para o Brasil?
A agricultura familiar destaca-se pela produção de milho, mandioca, leite, ovos, feijão, café, frutas e hortaliças, ou seja, a base da alimentação do país, sendo responsável por cerca de 23% do valor total da produção dos estabelecimentos (IBGE, 2017). Daí decorre sua relevância.
Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, 2020), através da publicação de seu relatório intitulado O Estado da Alimentação e da Agricultura (SOFA) 2020, esse importante segmento da economia brasileira tem a capacidade de colaborar para a concretização da segurança alimentar no que tange à erradicação da fome. Isso porque, basicamente, a agricultura familiar produz cerca de 80% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros.
É igualmente relevante porque a agricultura familiar não costuma empregar grandes quantidades de maquinário agrícola e, dificilmente, têm acesso aos agrotóxicos, tão prejudiciais à saúde ambiental em amplo espectro, consoante na FAO, que comprova a preservação dos alimentos tradicionais e a consequente proteção à biodiversidade, já que é calcada na policultura.
Quais são as dificuldades que ela enfrenta?
Em que pese sua importância para a realização da segurança alimentar, basicamente, pelo acesso à alimentação adequada, a partir do século 19, especialmente dos reflexos da revolução industrial, sua integração com a natureza passou a ser vista como entraves a funcionalidade dá acumulação capitalista.
No Brasil, o grande problema sempre foi a concentração fundiária, visto que a sua formação deu-se baseada em latifúndios monocultores voltados à exportação, as Sesmarias. Depois da Revolução Industrial e de seus reflexos, já no século XX, com o processo de globalização e, especialmente, com o advento da Revolução Verde, houve uma intensa mecanização do campo, fazendo com que os agricultores familiares sofressem seus impactos. Dentre eles, a maior concentração fundiária endividamento desemprego e êxodo rural ponto.
A grande questão é que agricultura familiar possui importância primordial na produção de alimentos voltados basta sinto aumento do mercado interno, ao passo que mantém uma relação simbiótica com a natureza, o que supostamente vai contra a lógica mercantilista do capital.
Há uma data especial para se comemorar o Dia do Agricultor Familiar?
Sim. O mês de julho é especial, eis que destinado a homenagens ao agricultor. Há comemorações pelo Dia do Agricultor todo 28 de julho, em alusão à década de 1960, mas deve ser celebrado o Dia do Agricultor Familiar, todo 25 de julho, decorrente das políticas públicas da década de 1990. Devemos comemorar esse 25 de julho, especialmente no Brasil, onde há mais de 4 milhões de estabelecimentos familiares rurais.
Ante à tamanha relevância do setor, há incentivos?
Existe uma cartilha intitulada Agricultura familiar: um bom negócio para o desenvolvimento local, elaborada em 2016 (SEBRAE, 2016), conforme a Figura 1. Ela apresenta as principais políticas públicas disponíveis no Brasil.
Figura 1 – Cartilha da Agricultura Familiar
Fonte: (SEBRAE, 2016)
Alguma das políticas públicas voltadas ao setor é o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), criado pela Lei 11.947/2009, que pode ser visualizado na Figura 2, a seguir:
Figura 2 - PNAE
Fonte: (SEBRAE, 2016)
Há ainda, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), criado pela Lei 10.696/2003, conforme a Figura 3.
Figura 3 - PAA
Fonte: (SEBRAE, 2016)
Todavia, conforme a própria cartilha alerta, as políticas públicas do PNAE e do PAA são apenas algumas iniciativas por parte do Estado, mas que vêm a exigir uma grande articulação entre Estado (Poder Público) e os agricultores, visando à concretização da segurança alimentar e da alimentação adequada.
Por fim, cabe ressaltar que as dificuldades de acesso à informação e o desinteresse em promover grandes políticas públicas voltadas à agricultura familiar, já que, aparentemente não gera lucro, já que a prioridade está na produção de commodities, atendendo aos interesses hegemônicos, precisamos cada vez mais de articulação a partir da sociedade em rede, ou seja, horizontalmente, enquanto atores sociais que somos. Precisamos valorizar a agricultura local, procurar informações e divulgar iniciativas sustentáveis dentro de nossos Municípios.
Lembre-se, nós somos os principais articuladores e atores políticos, exercendo nossa cidadania ao fazermos uma escolha, seja de incentivo à agricultura familiar, seja através do ato político de alimentar-se, optando por alimentos livres de agrotóxicos, produzidos em menor escala, com menor desperdício e dando possibilidade de subsistência àqueles que moram e sobrevivem do campo.
Não basta comemorar o Dia do Agricultor Familiar. É também preciso exercer nosso papel fundamental de consumidores mais cidadãos e mais atentos aos interesses hegemônicos que nos cercam, permitindo, assim, libertar-nos desse sistema de commodities que amassa e diminui o papel relevante da agricultura familiar.
REFERÊNCIAS
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo agro 2017. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/censo-agropecuario/censo-agropecuario-2017. Acesso em: 29 jul. 2021.
IZOLANI, Francieli Iung. Direito à segurança alimentar e acesso à informação ambiental: agrointoxicação e impactos do consumo de hortifrutigranjeiros. 2021. 191f. Orientador: Jerônimo Siqueira Tybusch. Dissertação (Mestrado - Centro de Ciências Sociais e Humanas) - Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal de Santa Maria, RS, 2021.
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). relatório O Estado da Alimentação e da Agricultura (SOFA). 2020. Disponível em: http://www.fao.org/brasil/noticias/detail-events/pt/c/1333398/. Acesso em: 29 jul. 2021.
SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS (SEBRAE). Agricultura familiar: um bom negócio para o desenvolvimento local. Edição para agricultores familiares. Brasília: Sebrae, 2016. Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/arquivo/seguranca_alimentar/compra_institucional/cartilha_agricultura_familiar.pdf. Acesso em: 29 jul. 2021.
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